Políticas de incentivo para o desenvolvimento da indústria nascente do hidrogênio renovável

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Autores:
Nivalde de Castro- Coordenador do Grupo de Estudo do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT-RESEL).
Kalyne Brito- Pesquisadora do GESEL.

A indústria do hidrogênio renovável, incluindo com maior destaque a do hidrogênio verde (H2V) em função do potencial de energia elétrica renovável do Brasil, se caracteriza como uma indústria nascente. O conceito de indústria nascente, derivado da economia industrial, se refere a um segmento econômico em fase inicial de desenvolvimento e representa uma ruptura com indústrias já estabelecidas.

Conceitualmente, uma indústria nascente apresenta trajetória de crescimento, em direção de um nível de produção maior, em busca de economias de escala para reduzir custos médios, apoiando-se em desenvolvimento tecnológico e aumento do mercado consumidor. Neste processo, destacam-se algumas características como o alto grau de inovação, investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento e desafios e riscos maiores em relação ao seu sucesso futuro em comparação com as tecnologias já consolidadas. Na literatura acadêmica e nas inúmeras experiências, elas requerem algum tipo de apoio governamental relevante durante a fase de take off.

Neste sentido, a viabilidade econômico-financeira permanece como um desafio para os projetos de produção de H2V, especialmente face à concorrência com a indústria atual predominante do hidrogênio (H2) cinza – produzido a partir de fontes fósseis. Ao mesmo tempo, para o desenvolvimento bem-sucedido da indústria do H2V é necessária a ampliação do mercado consumidor de modo a obter ganhos de escala de produção, e assim, se posicionar competitivamente em relação aos concorrentes.

Diante disso, o programa H2Global é um exemplo de iniciativa que busca acelerar o desenvolvimento do mercado de hidrogênio renovável e de seus derivados. O programa está assentado em esquema de leilão duplo, que estabelece contratos pelo lado da oferta e da demanda por meio de certames competitivos. Ao final do processo de licitação, são premiados os produtores que oferecem o menor custo de produção do H2 e os compradores que oferecem o maior lance. O “custo da diferença” será compensado pela Hintco, utilizando fundos fornecidos por um órgão de financiamento público.

Em suma, através desse instrumento, a Hintco estabelece contratos de longo prazo com os produtores e vende o produto por meio de contratos de curto prazo a compradores (BAUER, F. et al. 2023). Este mecanismo oferece segurança de investimento aos produtores, fornecendo preço, volume e segurança jurídica por meio de acordos de compra e venda de longo prazo, aos consumidores, de modo a permitir que os projetos passem do estágio de planejamento para a implementação real.

De acordo com o estudo The market ramp-up of renewable hydrogen and its derivatives – the role of H2Global, além de contratos de longo prazo, os mecanismos para a precificação de carbono, as plataformas para a comercialização e a certificação de origem do H2 também são requisitos necessários para ampliar o mercado de H2V. Além disso, segundo a International Renewable Energy Agency (IRENA), o estabelecimento de estratégias de descarbonização para a indústria e um planejamento setorial personalizado também devem ser considerados no desenvolvimento desse mercado emergente.

Deste modo, com o objetivo de aumentar a competitividade do H2V, escalar a sua produção e consolidar uma cadeia produtiva, diferentes estratégias têm sido adotadas por diversos países. Por exemplo, a União Europeia prevê destinar um orçamento de financiamento de € 180 a € 470 bilhões até 2050, e implementar outros programas para financiar a indústria de hidrogênio, como o Next Generation EU, um fundo de recuperação econômica de € 750 bilhões em que o H2 é tratado como uma tecnologia prioritária.

A fim de estimular o aumento da demanda de H2V na indústria e viabilizar tecnicamente e financeiramente os projetos de H2, a União Europeia determinou ainda novos requisitos e metas para a descarbonização da indústria, com a inclusão de setores no sistema de EU Emission Trading Scheme[1] (EU ETS). Além disso, para evitar o “vazamento de carbono” e nivelar os custos da União Europeia e dos países exportadores de bens intensivos em carbono, o bloco implementou o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), que irá impor barreiras às importações segundo seus graus de emissão de CO2. Ademais, a União Europeia também já adotou padrões de emissões de CO2 para os veículos leves e pesados, o que reafirma o seu compromisso irreversível com a descarbonização (ELIZIÁRIO, et al., 2023).

Nos EUA, o governo tem direcionado investimentos robustos para o suporte de PD&I, visando o desenvolvimento da infraestrutura de H2. A Lei Infrastructiure Investment and Jobs (IIJA), por exemplo, destinou bilhões de dólares para o desenvolvimento de projetos de produção de H2 renovável e de baixo carbono para atender os setores de transporte, industrial, comercial e residencial. A IIJA também alocou US$ 8 bilhões para financiar hubs de hidrogênio, no âmbito do programa H2hubs, com os objetivos de criar uma rede de produtores de H2, fomentar potenciais consumidores e desenvolver uma infraestrutura de conexão localizada nas proximidades.

Além da IIJA, merece ser destacado o megaprograma Inflation Reduction Act (IRA) que assumirá papel relevante para impulsionar a indústria nascente do H2 e os mercados consumidores. A IRA é uma política que fornecerá uma taxa de crédito de até US$ 3 por kg de hidrogênio nos primeiros 10 anos de operação da planta, incentivando a produção doméstica de H2 renovável e de baixo carbono, tornando-a economicamente viável (WHITE HOUSE, 2023).

O Brasil, por sua vez, tem um enorme potencial para o desenvolvimento de um mercado de H2 renovável, e está dando os primeiros e ainda tímidos passos direcionados para impulsionar esse novo mercado. No entanto, o avanço do vetor energético no país requer o estabelecimento de ações, como:

  1. Política industrial, incluindo investimentos em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I);
  2. Linhas de financiamento específicas;
  3. Incentivos para a consolidação de uma cadeia produtiva de H2 nacional, infraestrutura adequada, cooperação internacional, capacitação de mão-de-obra;
  4. Mecanismos para a garantia da segurança jurídica para produtores e consumidores;
  5. Iniciativas de precificação do carbono; e
  6. Estabelecimento de contratos de longo prazo para a sua comercialização.

O Brasil firmou como ponto de partida um Programa Nacional de Hidrogênio e Plano de Trabalho Trienal ainda bastante incipiente. No entanto, vale ressaltar que embora o país tenha atualizado a sua Contribuição Nacionalmente Determinada, não há um plano de ação que aponte como a meta será alcançada ou estabeleça metas de redução de emissões para os diferentes setores da economia brasileira. Destaca-se que a determinação de um plano de ação estratégico que não só contribuirá para o alcance das metas climáticas, como também para direcionar o uso de tecnologias limpas, como o H2V.

O governo brasileiro já tem se empenhado para estruturar uma certificação para o H2 através da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O H2Global pode fornecer, em uma fase inicial, subsídios para o estabelecimento de contratos de longo prazo e segurança aos investidores. Acelerar a adoção de um mercado de créditos de carbono, ainda incipiente no Brasil, também pode contribuir para reduzir o gap entre o H2 de renovável e o H2 cinza, tornando o primeiro economicamente competitivo e, consequentemente, estimulando a sua produção.

No evento H2 Hydrogen Expo South America, (20 e 21 de junho de 2023) foram formuladas propostas para políticas públicas e medidas legislativas para a promoção do H2 renovável no âmbito do Pacto do Hidrogênio Renovável. Este Pacto é formado a partir de um acordo de cooperação entre a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica), Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), Associação Brasileira do Biogás (ABIOGÁS) e Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro (AHK Rio).

A título de conclusão, verifica-se que a partir da preocupação mundial com o processo de descarbonização em curso acelerado, o H2 renovável terá um papel determinante neste processo. Neste sentido, a dinâmica conceitual do H2 renovável, enquanto uma indústria nascente, se aplica, abrindo assim potencial de impulsionar o crescimento econômico, criar empregos e promover as inovações tecnológicas em toda a cadeia produtiva. Além disso, deve-se considerar os efeitos positivos no comércio exterior, uma vez que produtos derivados do H2 renovável podem ser exportados para outros mercados, em especial para União Europeia.

No entanto, a indústria nascente do H2 renovável no Brasil ainda apresenta alguns desafios e riscos econômicos, por se tratar de uma nova tecnologia disruptiva. Assim, demanda atenção das autoridades governamentais para formulação de políticas públicas favoráveis e audaciosas para o desenvolvimento de cadeias produtivas no Brasil.


[1] Instrumento de mercado baseado no princípio cap and trade, que atua na redução de emissões por meio do estabelecimento de um limite de gases de efeito estufa emitido por pelas instalações.

Referências:

ELIZIÁRIO, S. et al. Capítulo 4: Experiência Internacional. In: CASTRO, N. et al. A Economia do Hidrogênio: Transição, descarbonização e oportunidades para o Brasil, E:Papers, 1 ed, Rio de Janeiro, 2023.

BAUER, F. et al. The market ramp-up of renewable hydrogen and its derivatives – the role of H2Global. H2Global, 2023. Disponível em: https://files.h2-global.de/Market-Ramp-Up-Renewable-Hydrogen-Derivatives-H2Global.pdf. Acesso em: 14 de jun. 2023.

WHITE HOUSE. Inflation Reduction Act Guidebook, 2023. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/cleanenergy/inflation-reduction-act-guidebook/. Acesso em: 16 de jun. 2022.

IRENA, International Renewable Energy Agency. Green Hydrogen Needs Industrial Policy Making and Certification, 2022. Disponível em: https://www.irena.org/News/articles/2022/Mar/Green-Hydrogen-Needs-Industrial-Policy-Making-and-Certification. Acesso em: 19 de jun. 2023.


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