Passos para desenvolvimento da indústria de hidrogênio verde no Brasil

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Autores:
Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Sayonara Eliziário- Professora da Universidade Federal da Paraíba e pesquisadora associada do GESEL


Em 12 de abril de 2023, o Ato do Presidente do Senado Federal nº 4/2023 instalou a Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde (CEHV). A Comissão foi designada para debater, no prazo de dois anos, políticas públicas para que a cadeia de valor do hidrogênio verde (H2V) possa ser fomentada e ganhar escala produtiva. A instalação da CEHV foi um passo importante, que em conjunto com outras tantas iniciativas busca dar efetividade para transformar o Brasil em um líder global na produção e exportação de H2V. Pretende-se com estas ações fomentar o desenvolvimento de projetos relevantes respaldados na definição e execução operacional de políticas públicas federais.

Outra iniciativa anterior que se soma a este esforço foi a criação da Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia do Senado Federal (Resolução nº 19/2021), que retomou os debates e iniciativas em prol de políticas públicas que estimulem o uso sustentável de recursos naturais, bem como a geração e o consumo responsável de energia, dentre os quais está o hidrogênio verde.

Nesta direção de conceber as bases de uma política pública do H2V, sobressaem:

  1. Comitê Técnico da Indústria de Baixo Carbono (CTIBC), que objetiva implementar, monitorar e revisar políticas públicas, iniciativas e projetos que estimulem a transição para a economia de baixo carbono no setor industrial do país, e
  2. Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio (Coges-PNH2), coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, que tem planejado, estrategicamente, ações prioritárias para o Plano de Trabalho Trienal do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2 2023-2025).

No entanto, essa não é a primeira vez que se planeja um programa para o hidrogênio no Brasil. A primeira proposta de um programa nacional foi realizada em 1985, em um artigo da cientista Marieta Mattos, no qual uma Comissão para o Desenvolvimento do Hidrogênio, criada pelo Ministério de Minas e Energia foi designada para coordenar as pesquisas e atividades de desenvolvimento relacionadas ao hidrogênio. Esta iniciativa, de cunho nacional e pioneiro ajudou a manter uma base de estudos e pesquisa, incluso em laboratórios construindo eletrolisadores de escopo experimental.

A partir desse histórico e agora impulsionado pelo processo de transição energética que tem no hidrogênio de baixo carbono a estratégia para se atingir as metas de net zero em 2050, o Brasil é estimulado a traçar caminhos para desenvolver suas potencialidades de forma abrangente, visando aproveitar todos os benefícios e vantagens estratégicas que os mercados de hidrogênio nacional e mundial podem trazer ao país.

Neste contexto e frente ao potencial de energia renovável que o Brasil detém, iniciativas de agentes econômicos com visão mais estratégica estão estruturando projetos de H2V aguardando que políticas públicas sejam definidas para garantir segurança aos investimentos. Algumas iniciativas de governos estaduais, analisadas em seguida, corroboram este processo preliminar. Há um consenso derivado das experiências de criação de indústrias nascentes, como o setor de energia eólica, acerca da importância de se garantir apoio e subsidiar o poder público nas decisões relacionadas com o fornecimento de infraestrutura, no desenvolvimento de demanda e de medidas para reduzir o custo de produção, essenciais para garantir e estimular os investimentos privados.

Neste contexto, o Poder Legislativo desempenha importante papel, contribuindo para a criação e aprovação de leis, bem como para o controle e a fiscalização das ações a serem desenvolvidas. Por outro lado, a Administração Pública Federal e Estadual deve trabalhar em ações coordenadas para maximizar o desenvolvimento da indústria nascente do hidrogênio de baixo carbono.

Observa-se que, em 2022, foram propostos seis Projetos de Lei (PL) com relação direta ou indireta ao mercado de hidrogênio[1]:

  1. PL 1.878/2022 – Propõe a criação de uma política que regule a produção e usos para fins energéticos do Hidrogênio Verde;
  2. PL 725/2022 – Disciplina a inserção do hidrogênio como fonte de energia no Brasil e estabelece parâmetros de incentivo ao uso;
  3. PL 1.880/ 2022 – Cria programa de incentivos para a produção em escala de células de combustível, aproveitando o potencial das cadeias de valor do hidrogênio, etanol e biogás;
  4. PL 412/2022 – Regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE);
  5. PL 1.425/2022 – Disciplina a exploração da atividade, de interesse público, de armazenamento permanente de dióxido de carbono em reservatórios geológicos ou temporários e seu posterior reaproveitamento; e
  6. PL 1.224/2022 – Dispõe acerca da atividade de armazenamento de energia no âmbito do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Em 2023, novos projetos estão sendo propostos, sendo alguns destinados a propósitos semelhantes e outros contendo objetivos mais específicos, onde se destaca o PL 2.308/2023, que dispõe sobre a definição legal de hidrogênio combustível e de hidrogênio verde, e o PL 3.452/2023, que dispõe sobre conceito e incentivos ao uso energético do hidrogênio no Brasil.

Além desse, o PL 3.173/2023 propõe a criação do Programa Nacional do Hidrogênio Verde (Prohidroverde), destinado a fomentar a produção, distribuição e utilização de hidrogênio gerado a partir de fontes renováveis de energia.

No âmbito estadual, merecem ser ressaltados as seguintes iniciativas:

  1. Ceará, com o Decreto nº 34.733/2022 que instituiu o plano estadual de transição energética justa (Ceará Verde). Além disso, o Ceará é o primeiro e único estado a já ter lançado um modelo de licenciamento para plantas de hidrogênio e de já ter em funcionamento a planta de H2V via eletrólise inaugurada no Porto de Pecém. Trata-se de investimento do Grupo EDP financiado em parte pelo Programa de P&D da ANEEL, tendo como coordenador executivo o GESEL.
  2. Bahia, através do Decreto nº 21.200/2022, que instituiu o Plano Estadual para a Economia do Hidrogênio Verde (PLEH2V);
  3. Paraná, através da Lei nº 21.454/2023, que disciplina o incentivo ao uso de hidrogênio renovável no estado; e
  4. Goiás, com a Lei 21.767/2023, que instituiu a Política Estadual do Hidrogênio Verde.

Frente a tantas iniciativas, é relevante que se busque uma unificação de terminologias e de conceitos-base, necessária para dar consistência regulatória nacional e estadual para o efetivo e consistente desenvolvimento da indústria nascente do hidrogênio. A título de exemplo, pode-se citar a Austrália, que através do Council of Australian Governments (COAG) elaborou um guia com princípios de melhores práticas regulatórias para direcionar os atores envolvidos e os tomadores de decisão.

É importante destacar que há um consenso sobre a necessidade da definição de políticas públicas e diretrizes voltadas ao hidrogênio e seus derivados, no âmbito regulatório, incluindo o estabelecimento de metas, normas e padrões bem definidos. Deste modo, as normas estabelecidas a partir da ABNT devem ser atualizadas em harmonia à regulamentação internacional.

Por fim, é necessário garantir que a regulação abranja vários elos da cadeia produtiva, como o uso da terra e de recursos hídricos, eólicos e solares, garantindo a promoção de infraestrutura adequada, o crescimento no número de projetos e o desenvolvimento da indústria e tecnologia nacional.

Referências Bibliográficas

Brasil. Decreto nº 11.547, de 5 de junho de 2023. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-11.547-de-5-de-junho-de-2023-488175801.

CGEE, Centro de Gestão de Estudos Estratégicos. Programa Brasileiro de Sistemas de Célula a Combustível. Disponível em: http://www.finep.gov.br/images/a-finep/fontes-de-orcamento/fundos-setoriais/ct-energ/programa-brasileiro-de-celulas-a-combustivel.pdf.

CNPE, Comissão Nacional de Planejamento Energético. Resolução nº 6, de 23 de junho de 2022. Disponível em: https://www2.aneel.gov.br/cedoc/res2022006cnpe.pdf.

COAG, Council of Australian Governments. Best Practice Regulation Guide. Disponível em: http://www.coag.gov.au/sites/default/files/coag_documents/COAG_best_practice_guide_2007.pdf.

Mattos, M. C. National hydrogen energy program in Brazil. International Journal of Hydrogen Energy, v. 10, n. 9, pp. 601-606, 1985.

Senado Federal. Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2589.

Senado Federal. Resolução nº 19, de 24 de junho de 2021. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/conselhos/-/conselho/fprne/legislacao.


[1] Os PL podem ser encontrados nas páginas https://www.congressonacional.leg.br/home e https://www.camara.leg.br/

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