Os desafios tecnológicos do processo de descarbonização da indústria siderúrgica

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Diante da urgência do processo de descarbonização, acelerado pela Guerra da Ucrânia, é necessário que cada setor industrial da economia estabeleça metas em direção à redução da sua emissão de carbono. O setor siderúrgico, um dos mais importantes para a economia e pilar do desenvolvimento da infraestrutura, possui uma expressiva contribuição para o aquecimento global, sendo responsável por entre 7% e 9% das emissões totais de CO2 na atmosfera. Portanto, é imprescindível que esse setor defina metas e que se criem programas nacionais e ações empresariais para a descarbonização.

Contudo, as chamadas indústrias pesadas, dentre as quais se destacam a siderurgia, cimento, produtos químicos, entre outros, são de difícil descarbonização, em função da elevada intensidade de calor necessária e das emissões de dióxido de carbono envolvidas em seu processo produtivo. Somam-se a estas especificidades, variáveis econômicas, como a intensidade de capital, a longa vida útil dos ativos e a forte concorrência em escala global. Em razão desses fatores técnicos e econômicos, o processo de descarbonização do setor siderúrgico possui diversos desafios vinculados mais diretamente às opções de fontes energéticas renováveis e limpas.

Neste contexto, o hidrogênio de baixo carbono, aqui denominado por hidrogênio verde (H2V) se destaca, por ser um insumo energético produzido a partir de fontes renováveis e que tem alto poder calorífico e alta densidade energética mássica, podendo ser produzido livre de emissões. Desta forma, os cenários de desenvolvimento das matrizes energética o considera como o vetor que, em breve e gradativamente, irá substituir o petróleo, carvão e gás natural.

Atualmente, a demanda pelo hidrogênio cinza (H2C), produzido a partir de recursos não renováveis, na economia é significativa. De acordo com a International Renewable Energy Agency (IRENA), a demanda global de H2C pela indústria totalizou cerca de 87 milhões de toneladas (Mt) em 2020, incluindo aplicações em refinarias (40 Mt), amônia (31 Mt), metanol (12 Mt) e siderurgia (4,3 Mt).Dados da International Energy Agency (IEA) corroboram a análise da IRENA, ao indicarem que o H2C já possui uma demanda considerável, com a previsão de atingir 130 Mt em 2030.

Em relação ao setor siderúrgico, a rota convencional de produção do aço envolve duas etapas principais. A primeira é a redução do minério de ferro [Fe2O3] em um alto-forno, no qual normalmente se utiliza coque ou carvão, para a obtenção de óxido de ferro [FeO]. Na segunda etapa, o FeO é transformado em aço através de refino. Segundo dados da IRENA, o Alto Forno-Forno Básico de Oxigênio (BF-BOF), rota mais convencional, possui uma participação de 71% na produção mundial de aço, sendo, portanto, um método líder. Porém, esta é a rota mais intensiva em energia, onde uma tonelada de aço bruto consume em média 21,4 GJ de energia. Trata-se do método mais emissor com média entre 1,7 a 2,2 toneladas de emissão de CO2 por tonelada de aço produzido. Estes parâmetros devem-se ao emprego do coque como fonte de calor e agente redutor do ferro.

Diante destas características técnicas, torna-se imprescindível o desenvolvimento de inovações tecnológicas, que possam rapidamente gerar ganhos de escala e que sejam capazes de reduzirem a emissão de CO2. Estas novas rotas tecnológicas para viabilizarem os processos de descarbonização dependem, grosso modo, de questões técnicas, adequação das infraestruturas existentes, políticas públicas, como taxa de emissão de CO2, que induzam maior demanda do aço verde, custos operacionais mais competitivos, com destaque para o preço da eletricidade renovável, e, ao fim e ao cabo, inovações regulatórias capazes de dar segurança e para os investimentos.

De acordo com estudo da McKinsey & Company, a redução de CO2 na indústria siderúrgica pode ser alcançada a partir de rotas tecnológicas intermediárias, destacando-se:

  1. Maior eficiência de altos-fornos;
  2. Redutores de biomassa; e
  3. Captura e utilização de carbono em outros processos.

Na primeira rota, a obtenção de uma maior eficiência dos altos-fornos com a redução das emissões de CO2 depende da otimização das operações, através de tecnologia prontamente disponível e a custos competitivos. A segunda rota é a utilização da biomassa como redutor ou combustível, sendo um processo possível especialmente na América do Sul em razão da disponibilidade desse insumo. Na terceira rota, é possível reduzir as emissões de CO2 através da sua captura e utilização em outros processos, a fim de aproveitá-lo na criação de novos produtos. Todavia, são tecnologias ainda sem rotas definidas e competitivas.

Em relação às rotas tecnológicas disruptivas, capazes de levar à descarbonização total da indústria siderúrgica, merecem ser destacadas:

  1. Forno de arco elétrico (EAF);
  2. Redução direta de ferro (DRI) em EAF utilizando gás natural; e
  3. DRI em EAF utilizando energia renovável ou H2V.

Na primeira rota, a utilização de um forno de arco elétrico maximiza os fluxos secundários e recicla através do derretimento de mais resíduos. Essa tecnologia se encontra disponível a custos competitivos. Na segunda rota, a estratégia é aumentar a utilização gás natural da DRI em EAF, graças à tecnologia prontamente disponível. Por fim, na terceira rota, os combustíveis fósseis para a DRI EAF são substituídos por energia renovável ou H2, porém ainda apresenta altos custos em função da escala produtiva ainda incipiente.

Neste sentido, o H2 pode ser utilizado no alto-forno como agente redutor, diminuindo a quantidade de carvão coqueificável necessária. O método DRI-EAF, contudo, é usado para apenas 5% da produção atual de aço e consumiu, em 2020, cerca de 4,3 Mt de H2. Embora o H2 seja um agente redutor auxiliar no alto-forno, ele pode ser o redutor primário no processo de redução do ferro. Todavia, uma fonte de carbono ainda é necessária para produzir aço no forno elétrico (EAF), exigindo outras tecnologias, como a captura de carbono para maior redução de emissões.

Observa-se que as estratégias de descarbonização por meio do H2 podem ser implementadas em instalações futuras (greenfield) ou em instalações existentes (brownfield). No segundo caso, é necessária uma adaptação (retrofit) ou a reinstalação dos equipamentos e aparelhagem vigentes. Contudo, a maioria dos projetos anunciados na Europa visa substituir os processos de produção de aço existentes por novas usinas baseadas na DRI com o uso do H2. Assim, no plano REPowerEU da Comissão Europeia, cerca de 30% da produção de aço primário na União Europeia deverá ser descarbonizada até 2030 através da utilização de H2V.

De acordo com estimativas da McKinsey & Company, aproximadamente 14% do valor potencial das empresas siderúrgicas se encontram em risco caso não consigam diminuir o seu impacto ambiental. Por isso, diversos projetos surgem em todo mundo para o desenvolvimento de soluções e boas práticas para a indústria siderúrgica, o que gera um impacto positivo para o crescimento da economia do hidrogênio.

Em suma, e a título de conclusão, o H2 produzido a partir de fontes renováveis é considerado como o vetor energético do futuro, capaz de garantir a transição energética para uma economia verde. Como resultado há atualmente inúmeros projetos em desenvolvimento com destaque para Alemanha e outros países membros da União Europeia. Potenciais mecanismos de precificação de carbono, como o CBAM -Carbon Border Adjustment Mechanism, avanços na certificação do H2 renovável e regulações mais rígidas para emissões na indústria podem acelerar o processo de desenvolvimento e de adoção dessa tecnologia, tendo como objetivo central alcançar maiores reduções de custos para produção do H2 renovável.

Autores:

Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).

Sayonara Elisário- Professora da Universidade Federal da Paraíba e pesquisadora associada do GESEL-UFRJ.

José Vinícius Freitas- Pesquisador Junior do GESEL

Sofia Paoli- Pesquisador Junior do GESEL

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