Os desafios da transição energética e da descarbonização

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Inovação é essencial para que o Brasil aproveite a oportunidade de desenvolvimento produtivo em uma economia de baixo carbono

Um país com 8.515.759 quilômetros quadrados, quase metade da matriz energética renovável e um potencial para ampliar esse percentual em um mundo cada vez mais empenhado em uma economia de baixo carbono. Essa pode ser a oportunidade chave para o Brasil se tornar uma potência mundial de energias renováveis.

Para transformar esse potencial em realidade, a gente precisa desenvolver novas tecnologias. E pensando nisso, os Institutos SENAI de Inovação (ISIs) têm diversos projetos em energias eólica, fotovoltaica, biomassa, além do desenvolvimento de combustíveis sustentáveis, como etanol feito de milho.

“Em um mundo em que existe muita incerteza, existe muita instabilidade geopolítica, e o Brasil apresenta as melhores condições. Nós temos uma estabilidade geopolítica que é importante e um enorme potencial de produção de energia verde. Se nós acertarmos a mão de uma coordenação como projeto de país em torno da transição digital e da transição verde, o Brasil certamente vai emergir em um ciclo virtuoso de desenvolvimento”, afirma o diretor de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI)Rafael Lucchesi.

Túnel de vento

Em Natal (RN), o ISI de Energias Renováveis trabalha em soluções inovadoras no mercado eólico e fotovoltaico. Uma delas é o túnel de vento, que permite fazer testes aerodinâmicos para o mercado de energia eólica e trouxe para o Brasil tecnologias que só eram acessíveis em outros países, como a responsável pela calibragem dos anemômetros (equipamentos meteorológicos usados para mensurar a velocidade e a direção do vento).

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No final de 2022, foi lançada a primeira etapa do projeto Bravo, “Boia Remota de Avaliação de Ventos Offshore”, do ISI de Energias Renováveis em parceria com a Petrobras. Por quatro meses foram coletadas informações de velocidade e direção dos ventos no oceano, variáveis meteorológicas, como pressão atmosférica, temperatura do ar e umidade relativa, além de variáveis oceanográficas, como ondas e correntes marítimas. A tecnologia é a primeira desenvolvida no Brasil para o setor.

“Isso é um marco significativo, pois vai trazer tecnologia para o Brasil que poucos países dominam e poucas empresas no mundo dominam”, afirma Antonio de Medeiros, pesquisador-chefe do ISI em Energias Renováveis.

Desde sua inauguração, em 2021, o instituto trabalha com a pesquisa das condições para desenvolvimento das energias renováveis no estado. “Um dos trabalhos fundamentais no setor de renováveis é você fazer mapeamento. A gente tem um grupo muito forte que trabalha dessa forma e graças a isso tivemos a oportunidade de descobrir essa fronteira energética chamada eólica offshore, fazendo as primeiras medições e colocando a primeira torre no mar”, lembra Medeiros.

O lado B dos painéis solares

Pesquisadora líder do laboratório de energia solar, Samira Azevedo ajuda a pensar em soluções para problemas que surgiram com o desenvolvimento desse mercado, como a instabilidade de painéis solares maiores.

“Dar estabilidade a um módulo de mais de 2 metros de altura é muito mais complexo do que a módulos menores, como os de 1 ou 1,2 metros, como eram os primeiros módulos disponíveis”, conta.https://e.infogram.com/_/D0uoaFqFpzvEXPGPDTKa?parent_url=https%3A%2F%2Fwww.fiern.org.br%2Fos-desafios-da-transicao-energetica-e-da-descarbonizacao%2F&src=embed#async_embed

Outra frente de pesquisa é para aumentar a eficiência desses painéis. Uma das formas de fazer isso é usando os dois lados do equipamento, aproveitando a radiação que é refletida pelo solo. São os chamados módulos bifaciais.

“Com o avanço da tecnologia, muita coisa melhorou, desde a eficiência da conversão da radiação solar em energia elétrica, até o modo de fabricação desses equipamentos que hoje são feitos tipo um ‘sanduíche’ entre vidros especiais e células de silício no meio”, explica Samira.

Neste projeto, os pesquisadores avaliaram diversos aspectos do equipamento, incluindo o beneficiamento do tipo de solo que estaria nessas usinas, para otimizar essa geração pela face posterior. “Quanto mais clara a superfície, maior é a refletividade da radiação solar que chega sobre ela. No projeto testamos diversos tipos de cobertura e avaliamos o custo-benefício”, completa.

De acordo com o diretor do ISI em Energias Renováveis, Rodrigo Mello, o uso da placa bifacial e o tratamento para reflexão da radiação resultaram em um incremento de cerca de 30% no desempenho de produtividade.

O projeto, junto com a CTG Brasil e outros parceiros, tem como objetivo melhorar a previsibilidade de desempenho de usinas fotovoltaicas, aumentar a produtividade e estender a vida útil dos equipamentos, com potencial de reduzir entre 5% e 10% o custo de geração da fonte.

Hidrogênio verde

Com o aumento da capacidade e da eficiência de energia limpa, um dos desafios do Brasil é conseguir exportar essa energia para países que têm uma matriz energética mais dependente de combustíveis fósseis e que também têm de correr atrás da meta global de não deixar a temperatura do planeta aumentar acima de 1,5º C. Uma das formas de fazer isso é com o hidrogênio verde.

O hidrogênio é obtido por meio da eletrólise, um processo químico em que uma corrente elétrica separa o hidrogênio do oxigênio que existe na água. Ele é considerado verde quando a energia usada para essa separação vem de fontes renováveis, como a eólica e a solar. No Brasil, mais de 80% da matriz elétrica é renovável, o que demonstra a nossa oportunidade de ser protagonistas nesse mercado.

“Você consegue exportar qualquer energia se você conseguir armazená-la. Uma das formas mais promissoras é associar as energias renováveis à geração do hidrogênio, que pode ser um vetor energético”, explica Samira.

Opção de combustível para a eletrificação de veículos, o hidrogênio ao ser consumido não produz dióxido de carbono, um dos gases responsáveis por intensificar o aquecimento global, sendo por isso considerado o “combustível do futuro”. Ele também tem usos diversos na indústria, incluindo produção de margarina.

Hoje a maior parte do hidrogênio é produzido a partir de gás natural, que é mais barato, porém produz CO2. Mas através dos desenvolvimentos tecnológicos a gente pode conseguir produzir um hidrogênio sustentável que seja competitivo. Em Camaçari, na Bahia, a rede de Institutos SENAI de Inovação está testando quatro tipos de tecnologias para produzir o combustível, além de pensar em soluções para armazenamento, transporte e aplicações do gás.

O projeto conta ainda com uma parte de formação de pessoas, desde mestrandos e doutorandos até um MBA, além de parceiras com universidades, incluindo a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade do Recôncavo e a Unicamp. “O nosso principal ativo são as pessoas, nossa capacidade intelectual que nós temos de desenvolvimento tecnológico”, afirma o gerente-executivo do SENAI Cimatec, José Luis Gonçalves de Almeida.

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O potencial da biomassa para a produção de energia

A biomassa é um material orgânico vegetal ou animal que pode ser usado como uma fonte de energia limpa e sustentável. Diferentemente do que muitos pensam, quando a biomassa é usada para a geração de energia ela conta unicamente com recursos naturais renováveis.

As fontes de biomassa vegetais podem vir da madeira (vegetais lenhosos), dos resíduos orgânicos (industriais, urbanos e agrícolas), de óleos vegetais (biofluidos) e de vegetais não lenhosos, como sacarídeos e aquáticos.

O uso e reuso desses recursos é a principal área de atuação dos Institutos SENAI de Inovação em Biomassa. É lá que são feitas as pesquisas para uso do bagaço da cana-de-açúcar, da produção de bio-óleo, do uso de resíduos do milho e muito mais. A missão é atuar diretamente na transição energética e na descarbonização.

O Brasil é o país com maior potencial para ser líder na produção de energia renovável. E a grande expectativa é que a biomassa seja a precursora da mudança da matriz energética brasileira. Os dados da Empresa de Pesquisa Energética, de 2021, mostram que a energia da biomassa equivale a 9,1% de toda a matriz energética do país. O que deixa o país em destaque dentro da referência mundial, na qual apenas 2,3% da matriz energética é baseada na biomassa.

“O Brasil tem um potencial imenso, porque temos uma área agrícola muito grande. Então, podemos plantar insumos para virar combustíveis. Nós já trabalhamos com projeto do uso de resíduos da indústria de milho, por exemplo, para fazer um etanol de segunda geração”, explica Melina D’Ávila pesquisadora do Instituto SENAI em Biomassa, de Três Lagoas (MS). Além disso, o ISI em Biomassa tem muito potencial para desenvolver não só o etanol, mas também o biodiesel, o biogás e biocombustíveis.

Tecnologia no sertão baiano

As transformações provocadas pelas inovações chegam também ao semiárido brasileiro, trazendo um novo olhar para recursos naturais que sempre estiveram ali. O foco do Cimatec Sertão é aproveitar o potencial da região em diferentes projetos que podem promover desenvolvimento para a população local.

Uma das iniciativas visa purificar a água dos lençóis freáticos da região, de modo que ela possa ser usada para consumo da população, assim como para produção agrícola e pecuária.

“A intenção é que essa tecnologia melhore de uma maneira geral a qualidade de vida daquelas pessoas. Se a gente imaginar que a gente está começando a extrair água, começando a gerar energia e a gente vai ter uma fonte de alimentos, então tudo isso propicia uma melhora das condições das pessoas que estão presentes naquela região”, afirma Saulo Figliuolo, engenheiro mecânico e especialista do ISI União e Conformação de Materiais.

Se der certo, esse tipo de tecnologia pode ser inclusive exportada para outras regiões do mundo com o clima semelhante. “A intenção é que toda tecnologia gerada daqui fique não só retida aqui localmente, mas atinja todo o país. O sertão ele pega outros estados do Nordeste até o norte de Minas Gerais. E a gente tem outras regiões na África, na Ásia, na Oceania, na América Central que têm clima semelhante, então a gente consegue exportar essa tecnologia para esses outros países ao redor do mundo”, completa o pesquisador.

O desenvolvimento regional por meio da inovação

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Captura de carbono

São diversas as soluções buscadas pela rede de Institutos SENAI de Inovação para uma economia de baixo carbono. Algumas são por meio da captura de CO2 da atmosfera ou da transformação desse gás em produtos úteis para a sociedade, como o metanol.

Entre os projetos de captura e armazenamento de carbono está o DAC 5 mil, que tem esse nome porque usa a tecnologia direct air capture, da startup alemã Dakma, e tem como meta captar 5 mil toneladas de carbono por ano. A ideia é armazenar esse carbono em rochas basálticas.

A iniciativa é uma parceria com a Repsol Sinopec Brasil e é dividida em três fases. A primeira é o projeto-executivo da planta-piloto, incluindo a análise de custos de aquisição de bens e operacionais. A segunda é a construção da unidade-piloto e a terceira são os testes.

Além dos módulos DAC, a estrutura precisa de um sistema de utilidades para alimentar o DAC com energia e água. Após a captura e filtragem do carbono, é necessário armazenar e separar o gás.

O projeto do qual o SENAI Cimatec faz parte é o primeiro a usar a tecnologia no Hemisfério Sul. “Hoje esse tipo de captura de carbono já existe no Hemisfério Norte, mas em condições climatológicas totalmente diferentes das nossas. Então, o nosso grande desafio, uma das grandes inovações desse projeto, é fazer o sistema se adaptar ao clima brasileiro”, explica Thaires Miranda, gestora de negócios da área de petróleo e gás do SENAI Cimatec.

O projeto inclui um aprimoramento do equipamento alemão. “A tecnologia DAC ainda é relativamente onerosa, então além de todo esse sistema DAC que nós visamos implementar, dentro desse estudo está contemplado também o desenvolvimento do módulo DAC propriamente dito. Então esse módulo ele ainda precisa passar por algumas melhorias tanto em termos energéticos quanto em melhoria de peso, consumo de energia e a própria eficiência dos métodos de captura de carbono”, explica Miranda.

Tropicalização de energias

Não é só na captura de carbono que a rede de Institutos SENAI de Inovação é pioneira no hemisfério sul. A chamada “tropicalização de energias” também é determinante para explorar uma nova fronteira, a eólica offshore.

A liderança do desenvolvimento de tecnologias nesse setor se dá em países ao redor do Mar do Norte, como Dinamarca, Holanda e Noruega, com condições climáticas distintas das brasileiras, o que impacta nos equipamentos usados. “Eles têm vento de rajada que dificulta muito o desempenho do equipamento do aerogerador. O nosso vento é constante. Isso quer dizer que nós temos uma condição muito melhor de produção, mas que, para isso, os nossos equipamentos podem ser mais leves e mais eficientes do que os equipamentos instalados, onde foi a origem da tecnologia”, explica Rodrigo Mello, diretor do ISI de Energias Renováveis.

O SENAI trabalha no aperfeiçoamento dessas tecnologias para melhorar a competitividade da indústria brasileira. Esse processo inclui não só desenvolvimento de produtos, mas também de processos e de profissionais para atuar nesses mercados em expansão.

Como aproveitar os resíduos produzidos pela indústria?

Toda e qualquer atividade industrial produz resíduos, assim como cada um de nós, no dia a dia. Restos de alimentos, embalagens de produtos, papel higiênico usado: tudo é resíduo.

Na indústria, os resíduos acabam sendo produzidos em maior escala e são um dos grandes responsáveis por problemas ambientais. É basicamente tudo o que sobra da produção industrial e exige um processo específico para eliminação ou não pode ser descartado.

De acordo com o Panorama de Resíduos Sólidos do Brasil, em 2019 os brasileiros produziram 79 milhões de toneladas de lixo. Em 9 anos, os descartes pularam de 348 kg/ano para 379 kg/ano por pessoa.

Reduzir toda essa montanha de lixo é o grande objetivo do ISI em Tecnologias Minerais, em Belém (PA). Lá a missão é criar soluções para os resíduos produzidos pela mineração.

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Olhando para a indústria, de acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, do Ministério do Meio Ambiente, em 2015, só a mineração produziu mais de 310 milhões de toneladas de resíduos, sendo a maior parte de lavra a céu aberto. Para conseguir reverter esse impacto, o ISI de Belém começou a estudar a matriz mineral dos rejeitos, ou seja, analisou o material química, morfológica e mineralógicamente. A intenção não era necessariamente encontrar uma forma de eliminar a produção do resíduo, mas sim encontrar uma utilidade para ele.

“Se esse rejeito tem um potencial de captura de CO2, por exemplo, eu posso fazer estudos para mostrar que ele pode ser uma matéria-prima para criação de uma solução. O resíduo pode ser transformado ou pode ser misturado com outro material de um outro beneficiamento orgânico. Eles podem ser reutilizados em tratamentos, na agricultura, na produção de um outro produto com mais valor agregado, pode ser usado na parte de cosmética, na área de construção civil, produção de tijolo, produção de cimento. Enfim, tem inúmeras aplicações dependendo dessa matriz mineral inicial”, explica a pesquisadora industrial do Instituto SENAI de Tecnologias Minerais, Patrícia Silva.

Quando pensamos nos resíduos específicos da mineração, do que sobra de um mineral, podemos considerar dois processos. O primeiro é aquele material que sobrou e não foi minerado, ou seja, os ativos dele não foram retirados, sobrando o que chamamos de estéreo. “O estéreo pode ser reutilizado, como se fosse um produto natural, porque é um elemento que eles retiram da mina, mas não são usados de primeira”, completa Patrícia.

A segunda forma de reutilização é a partir de um processo químico. Nesse caso, acontece a transformação da rocha ou do minério em um outro produto por meio de um beneficiamento químico.

O que a carne feita em laboratório tem a ver com mudanças climáticas?

Quando você pensa de onde vem a carne no seu prato você provavelmente pensa em pasto, mas é no laboratório que a Tatiana Nery, gerente de Negócios da área de Alimentos e Microbiologia do SENAI Cimatec faz um bife.

A proteína animal é cultivada em laboratório e colocada na bioimpressora, que é uma impressora 3D que reproduz a carne no formato que for programado pelos pesquisadores, como uma picanha, por exemplo.

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Além de poupar animais do abate, a carne em laboratório pode ser uma alternativa para reduzir os impactos ambientais causados pela pecuária tradicional, relacionados ao consumo de água, uso do solo e à emissão de gases do efeito estufa. “Consigo ter uma proteína de uma forma que favorece a descarbonização, então é um processo mais sustentável. E eu consigo também ter um volume de produção maior”, afirma Tatiana Nery.

A gerente do SENAI Cimatec ressalta que a carne de laboratório não vai substituir a convencional, mas pode ser uma opção de tecnologia para a produção de alimentos no futuro, considerando as projeções de crescimento populacional e de escassez de recursos hídricos, além do aquecimento global.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) projeta que, em 2050, a população mundial vai chegar a 10 bilhões. “O modelo que a gente tem hoje de produção de alimentos não é suficiente para garantir alimentos daqui a 30 anos”, alerta Tatiana Nery. Por isso, ela ressalta a importância de se precaver e desenvolver tecnologias para produção de alimentos mais sustentáveis e que evitem o agravamento do problema da fome no mundo.

Fonte: FIERN

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