O Carbon Border Adjustment Mechanism europeu e as oportunidades para o desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde

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Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).
Vinícius José da Costa- Pesquisador Júnior do GESEL.

A União Europeia (UE) segue definindo novas estratégias e implementando medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE). O bloco visa acelerar a transição para uma economia ambientalmente sustentável e ampliar o seu grau de segurança de suprimento de recursos energéticos.

Neste contexto de duplo objetivo, o bloco europeu visa alcançar a neutralidade climática até 2050 e, no plano “Fit for 55“, apresentado em 2021, fixou a meta de reduzir as emissões líquidas de GEE em, pelo menos, 55% até 2030. Além disso, a partir do Plano REPowerEU, lançado em maio de 2022, reflexo da Guerra da Ucrânia, implementou ações para reduzir, rapidamente, a dependência por combustíveis fósseis e acelerar a transição para fontes de energia renovável.

Além da promoção de fontes limpas, a UE adota mecanismos para reduzir a utilização de combustíveis fósseis. Assim, no âmbito de mecanismos de precificação de carbono, o Sistema de Comércio de Emissões da UE (EU ETS), criado em 2005, estabeleceu um limite máximo para emissões de GEE de setores industriais e exigiu que as empresas adquiram licenças de emissão.

No entanto, políticas climáticas menos rigorosas prevalecem em muitos países não pertencentes ao bloco, aumentando o risco da chamada “fuga de carbono”. De acordo com a Comissão Europeia, a fuga de carbono pode ser definida pela transferência de empresas intensivas em carbono sediadas na UE para o exterior, ou seja, para países onde não exista fortes penalidades para essas indústrias.

O resultado desse processo é a criação de uma vantagem competitiva para indústrias que se mudam para regiões com regulamentações ambientais menos restritivas. Deste modo, a importação da produtos com maior intensidade de carbono pode impactar, negativamente, a balança comercial da UE, caso substitua a produção doméstica do bloco.

A European Roundtable on Climate Change and Sustainable Transition (ERCST), em estudo sobre Competitiveness and carbon leakage – CBAM, aponta que as questões de fuga de carbono e competitividade sempre foram uma grande preocupação para formuladores de políticas e stakeholders envolvidos no debate sobre descarbonização e cumprimento dos compromissos internacionais sobre mudanças climáticas da UE. Diante desse contexto, em maio de 2023, foi criado o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) no bloco europeu, foco analítico deste artigo.

O CBAM é uma ferramenta de referência utilizada para implementar um preço justo no carbono emitido durante a produção de bens intensivos em carbono que entram na UE. Assim, o CBAM garantirá que o preço do carbono das importações seja equivalente ao preço do carbono da produção doméstica, estipulado pelo Emission Trading System (ETS). Portanto, o importador terá que adquirir certificados CBAM para compensar a diferença de preços.

Neste sentido, o CBAM visa nivelar os custos de carbono da UE e dos países exportadores de bens intensivos em carbono, sendo projetado para ser compatível com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, o CBAM pretende ser um vetor para incentivar, via taxa de ingresso no mercado europeu, que os produtores de outros países reduzam as suas emissões.

A lei que estabelece o CBAM entrará em vigor a partir de 1 de outubro de 2023, contará com um período de transição e o sistema permanente entrará em vigor em 1 de janeiro de 2026. Durante esse período de transição, os importadores de bens abrangidos pelas novas regras deverão somente informar as emissões de GEE embutidos nas suas importações (emissões diretas e indiretas), sem efetuar qualquer pagamento ou ajustamento financeiro. Observa-se que o período de transição tem como objetivos conscientizar os stakeholders envolvidos e coletar informações úteis sobre as emissões incorporadas para aperfeiçoar a metodologia para o período definitivo.

Em 2026, quando o sistema permanente estiver ativo, os importadores europeus deverão declarar, anualmente, a quantidade de bens importados no ano anterior e seus GEE incorporados, assim como apresentar o número correspondente de certificados CBAM. Destaca-se que o mecanismo se aplicará, inicialmente, às importações de bens selecionados, como ferro e aço, cimento, adubos e fertilizantes, alumínio, produção de hidrogênio e eletricidade.

De acordo com o Independent Commodity Intelligence Services (ICIS), a nova regulamentação do CBAM pode ser o primeiro passo para a padronização global de hidrogênio renovável e com baixa emissão de carbono, devido à inclusão do hidrogênio e de fertilizantes, assim como, consequentemente, da amônia. Neste sentido, a iniciativa em classificar o hidrogênio como uma commodity energética mundial é, potencialmente, o primeiro passo desse processo, pois o hidrogênio importado para a UE que não atender ao padrão do CBAM terá consequências financeiras associadas.

Entretanto, no documento CBAM regulation contradictions regarding H2 imports, do Hydrogen Europe, o CBAM deixa de considerar alguns aspectos importantes para uma cobertura bem projetada do hidrogênio. Como meta do plano REPowerEU, nos próximos anos, uma parcela substancial dos previstos 10 Mt de hidrogênio renovável importado pela UE, até 2030, será transportada por meio dos “carregadores” de hidrogênio, ou seja, seus derivados.

Destaca-se que o estabelecimento do CBAM na UE traz oportunidades concretas para o Brasil, uma vez que o país apresenta um grande potencial para produzir hidrogênio verde (H2V) no médio e longo prazo e exportar produtos verdes altamente competitivos para o bloco europeu, superando as barreiras tarifárias impostas pelo CBAM. Para tanto, é fundamental que sejam realizados esforços estratégicos em direção à promoção da produção nacional do H2V, da infraestrutura necessária, da demanda interna, da consolidação da sua cadeia produtiva e de adaptações tecnológicas para a sua inserção em indústrias carbono intensivas.

Ademais, a regulamentação brasileira deve se preocupar com o estabelecimento de limites para a emissão de carbono em indústrias, de forma a evitar o impacto negativo na competitividade de bens para exportação no médio e longo prazo. Neste sentido, vale ressaltar que o Governo brasileiro finalizou um projeto de lei para criar um mercado regulado de carbono no país, seguindo o modelo cap and trade, difundido com o ETS na União Europeia. O foco da proposta está na indústria, especialmente, setores como siderurgia, cimento, indústria química e fabricantes de alumínio. O projeto deve atingir de 4 mil a 5 mil empresas que emitem anualmente mais de 25 mil toneladas de CO2 equivalente na atmosfera.

Neste contexto, empresas reguladas receberiam permissões de emissão de GEE e poderiam utilizá-las para cumprir as suas metas de redução de emissões ou comercializá-las no sistema de gestão criado pela lei em discussão. Além disso, o Ministério da Fazenda prevê apresentar, em agosto deste ano, um pacote de medidas que inclui diversos pontos, como o mercado regulado de carbono, a promoção do H2V, dentre outros.

Segundo o artigo Why regulating the carbon market is better for Brazil, publicado pela Brazil Sustainable Industry, a criação de um mercado regulado de carbono proporcionaria um ambiente de segurança jurídica e confiança para a indústria, no qual, com regras claras e garantias de monitoramento e governança, as empresas seriam capazes de decidir sobre a melhor estratégia e quais ações deveriam ser tomadas para alcançá-la, como a substituição de equipamentos ou o investimento em novas tecnologias para reduzir as emissões de GEE, por exemplo.

A título de conclusão, salienta-se que o Brasil detém significativas oportunidades para fortalecer a transição para uma economia de baixo carbono e aproveitar maiores vantagens competitivas em uma nova dinâmica do comércio internacional, voltada ao H2V, seus derivados e produtos verdes. Assim, os impactos do CBAM no país dependerão da capacidade de formular políticas públicas capazes de se adaptar às regulamentações deste mecanismo, fomentar a demanda interna, fortalecer a cadeia produtiva e oferecer produtos de baixa emissão de carbono competitivos para exportação.



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