Hubs de hidrogênio verde e perspectivas para as diferentes regiões do Brasil

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Autores:
Nivalde de Castro – Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal – Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).
Vinícius José da Costa Pesquisador Júnior do GESEL.

Os hubs de hidrogênio verde (H2V) consistem em centros geográficos que envolvem uma cadeia de atividades de produção, transporte, entrega e uso final de hidrogênio em aplicações em diferentes setores produtivos, com o objetivo de a partir de unidades produtivas de H2V atender dois tipos de demanda: (i) do mercado interno, seja no hub ou em indústrias localizadas em outros sítios e (ii) para exportação. Deste modo, os hubs são ecossistemas locais ou regionais que integram produtores e consumidores de hidrogênio, foco analítico do presente artigo. Essa estratégia de criação de hubs permite otimizar os custos de produção, armazenamento, transporte e consumo local ou exportação em função das externalidades econômicas de escala e geográfica.

A formação dos hubs envolve a participação de diversos stakeholders, entre os quais destacam-se as empresas do setor elétrico, logística, segmentos industriais (destaque para siderurgia, fertilizantes e refinarias), entidades governamentais, entidades reguladoras, universidades e institutos de pesquisa.
Diante do alto volume de investimentos necessários para a consolidação da indústria nascente do H2V e para seu desenvolvimento, há uma tendência clara de financiamento misto dos projetos, com parcerias entre os setores público e privado. No estudo Hydrogen hubs: Insights into the emerging hydrogen economies around the world, aponta-se que, atualmente, os hubs estão se inclinando para três diferentes configurações, sintetizadas no Quadro 1.

Quadro 1:
Três configurações dos hubs de hidrogênio em função das escalas de produção

Fonte: Elaboração própria derivado de Publications Office of the European Union (2021).

O crescimento do novo mercado de H2V no Brasil apresenta o potencial de atrair investimentos, gerar empregos locais e promover a transferência de tecnologia e conhecimento para o país. Do ponto de vista regional, as condições estratégicas favoráveis para a produção e comercialização de H2V devem-se à posição geográfica, disponibilidade de infraestrutura, recursos naturais e energéticos e mercado consumidor. Tais condições explicam, em grande parte, o protagonismo da Região Nordeste como um potencial hub de H2V no país. No entanto, outras regiões também apresentam potencial e, de forma mais tímida, sinalizam o interesse e posicionamento dos diferentes stakeholders do setor.

Segundo o estudo Senai RN (2023), o Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia são estados que potencialmente terão, no Brasil, o menor custo de produção de H2V em função, principalmente, do custo e disponibilidade de áreas. De acordo com os resultados da pesquisa, dependendo do modelo de negócio adotado, o custo de produção no país está estimado entre US$ 2 e 7 por quilo de hidrogênio para produção em grande escala.

No âmbito da infraestrutura logística, o Nordeste também se destaca favoravelmente para a exportação do H2V, pela existência de portos oceânicos estratégicos, que possibilitam o acesso facilitado ao mercado consumidor internacional, com destaque para o continente europeu. Na região, destacam-se os portos e polos industriais de Pecém (CE), Suape (PE) e Camaçari (BA), com indústrias já desenvolvidas e condições de localização favoráveis. Nesses locais, o desenvolvimento de hubs de H2V têm uma efetiva e concreta possibilidade de desenvolvimento criando infraestruturas integradas, garantindo bases competitivas de produção e fornecimento de hidrogênio renovável de forma eficiente e sustentável. Além disso, o papel do Nordeste na produção e potencial de geração de energias renováveis é um diferencial que garante maior protagonismo regional no cenário de produção de H2V.

O polo do Ceará, centrado no porto de Pecém, é um exemplo concreto das possibilidades e potencial de se tornar o mais importante hub do Brasil. Em grande parte, esta possibilidade deve-se à ação do governo estadual que foi o estado precursor, ao firmar acordo de cooperação com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), a Universidade Federal do Ceará (UFCE) e o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIP) para desenvolver o hub de H2V. Esta é uma ação integrada de política pública com articulação forte entre empresas, poder público, entidades representantes das indústrias e Academia.

Neste contexto, destaca-se a iniciativa pioneira do projeto “Pecém H2V – EDP”, que ao inaugurar a primeira planta piloto de H2V da América Latina, com capacidade de produção de 250 Nm3/h de hidrogênio. Desta forma, a EDP e os agentes do Estado do Ceará vão produzir experiências e conhecimentos em todos os elos da cadeia de valor do H2V. O projeto tem como objetivo geral o desenvolvimento de um roadmap com a análise de cenários de escalabilidade da produção de hidrogênio, com garantia de origem renovável. A iniciativa pioneira é do grupo EDP, que usou parte dos recursos do Programa de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) da ANEEL, e foi coordenado pelo Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL), em parceria com o Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (IATI).

Além deste projeto piloto que colocou o Ceará e o porto de Pecém na vanguarda do processo de criação da indústria nascente, atualmente, cerca de 30 empresas, a maioria internacional e de diferentes atividades, firmaram memorandos de entendimento com o governo do Ceará e o porto de Pecém. Desse total, três evoluíram para pré-contratos de implantação que totalizam uma estimativa de US$ 8 bilhões em investimentos até 2030 (Movimento Econômico, 2023). Estes três projetos somam 8 GW em capacidade de eletrólise para produzir 1,3 milhão de toneladas de H2V por ano. A expectativa é de que a produção comercial tenha início em 2025 ou 2026. Além disso, destaca-se que para o projeto do hub, o Porto do Pecém e o Porto de Roterdã, na Holanda, configuraram uma rota de exportação de H2V mais próxima entre a América do Sul e a Europa. Em 2030, com a produção estimada, o Complexo do Pecém possui o potencial para atender 25% da demanda de importação de Roterdã.

Na Bahia, o Polo Industrial de Camaçari, o maior complexo industrial integrado do hemisfério sul, também busca atrair projetos de H2V. Como resultado, a Unigel anunciou investimentos na primeira usina de H2V do país
em grande escala, localizada em Camaçari. A fábrica de hidrogênio terá investimentos em três fases. Na primeira etapa do projeto, já em construção, a empresa realizará o aporte de US$ 120 milhões. Ao todo, o projeto conta com projeções que chegam a US$ 1,5 bilhão. A planta tem previsão inicial de produção de 10.000 toneladas/ano de H2V para produzir 60.000 toneladas/ano de amônia verde e será entregue até o final de 2023. De acordo com a empresa, até 2027, a capacidade instalada será de 100 mil toneladas anuais de H2V (Unigel, 2023).

Em Pernambuco, a iniciativa TechHub Hidrogênio Verde se concentra no porto de Suape, é liderada pela CTG Brasil e pelo Senai, em parceria com o governo estadual, e visa a implementação de projetos focados em produção, transporte, armazenamento e gestão de H2V. Estimativas iniciais indicam que, até 2027, Suape deve receber R$ 38,6 bilhões em empreendimentos, que se somarão a 224 empresas atualmente instaladas no complexo (Valor Econômico, 2022).

Além da Região Nordeste, outros locais do Brasil também estão buscando a formação de projetos de hubs de H2V. Um exemplo é o Porto do Açu, localizado em São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro. O porto apresenta grande potencial de se tornar um hub de H2V, com parcerias ainda em fase de negociação com grandes players do mercado mundial, buscando licenciamento de 1,2 MM m2 para um hub de H2V. Desde 2021, juntamente com a Fortescue Future Industries, vigora um memorando de entendimento para estudar a viabilidade da construção de uma usina de H2V de 300 MW no local (Codin, 2021).

O Governo do Paraná também incluiu o hidrogênio em seu plano estratégico de grandes projetos estruturais (Paraná, 2023). Com foco no médio e longo prazo, o governo está buscando criar um ambiente propício para o desenvolvimento de projetos de H2V, envolvendo empresas como Copel, Sanepar, Parque Tecnológico de Itaipu (PTI) e Invest Paraná.

Neste sentido e direção, a título de conclusão, o Brasil possui significativas oportunidades para o rápido desenvolvimento econômico e tecnológico da indústria de H2V. Estas possibilidades estão diretamente associadas ao processo de descarbonização da economia global, a fim de promover um futuro mais sustentável. O exemplo do governo do Ceará que conseguiu articular as forças produtivas da indústria e da academia para firmar uma política pública direta e objetiva, focada na criação do hub do porto de Pecém é um exemplo a ser seguido. Em especial por já apresentar um resultado concreto dado pelo investimento do grupo EDP na primeira planta de H2V da América Latina.

Referências:

CODIN, Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (2021). Construção de usina de hidrogênio verde no Porto do Açu no Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.codin.rj.gov.br/post/construção-de-usina-de-hidrogênio-verde-no-porto-do-açu-no-rio-de-janeiro.

CRS, Congressional Research Service (2022). Hydrogen Hubs and Demonstrating the Hydrogen Energy Value Chain. CRS, 24 out. 2022. Disponível em: https://crsreports.congress.gov/product/pdf/R/R47289.

EPE, Empresa de Pesquisa Energética (2021). Plano Decenal de Expansão de Energia 2031 – Revisão após a CP4. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados abertos/publicacoes/Documents/PDE%202031_RevisaoPosCP_rvFinal_v2.pdf.

Movimento Econômico (2023). Pecém moderniza sua estrutura para acomodar hub de hidrogênio verde. Movimento Econômico, 18 jun. 2023. Disponível em: https://movimentoeconomico.com.br/economia/portos/2023/06/18/pecem-moderniza-sua-estrutura-para-acomodar-hub-de-hidrogenio-verde/.

Paraná (2023). Governo começa a desenhar caminho para tornar Paraná hub de hidrogênio verde. Agência Estadual de Notícias do Paraná, 13 jan. 2023. Disponível em: https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Governo-comeca-desenhar-caminho-para-tornar-Parana-hub-de-hidrogenio-verde.

Publications Office of the European Union (2021). Hydrogen Valleys Insights into the emerging hydrogen economies around the world. Março 2021. Disponível em: https://h2v.eu/media/7/download.

SAE BRASIL (2022). Mapeamento de Cadeias de Mobilidade: Plano Nordeste Potência. Disponível em: http://arquivos.saebrasil.org.br/2022/SAE4mobility/Mapeamento-de-Cadeias-de-Mobilidade-Plano-Nordeste-Potencia.pdf.

Senai RN (2023). RN, Bahia e Ceará terão menor custo no Brasil para produção de hidrogênio verde, aponta ISI-ER. Senai RN, 24 mar. 2023. Disponível em: https://www.rn.senai.br/rn-bahia-e-ceara-terao-menor-custo-no-brasil-para-producao-de-hidrogenio-verde-aponta-isi-er/.

Unigel (2023). Com investimento total de US$ 1,5 bilhão, Bahia terá primeiro projeto de hidrogênio verde em escala industrial no Brasil. Unigel, 18 de jan. 2023. Disponível em: https://www.unigel.com.br/com-investimento-total-de-us-15-bilhao-bahia-tera-primeiro-projeto-de-hidrogenio-verde-em-escala-industrial-no-brasil/.

Valor Econômico (2022). Nordeste concentra principais projetos. Valor Econômico, 30 nov. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2022/11/30/nordeste-concentra-principais-projetos.ghtml.

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