Hidrogênio verde no Brasil: Uma visão geral de projetos e principais stakeholders

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Autores:
Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).
Vinicius José da Costa- Pesquisador Júnior do GESEL.

O hidrogênio verde (H2V), que é produzido a partir de fontes de energia renovável, se apresenta como um pilar fundamental para a descarbonização de atividades econômicas emissoras de gases do efeito estufa (GEE) e, consequentemente, como um forte aliado às metas climáticas. No âmbito internacional, espera-se que o H2V desempenhe um papel importante em amplos setores como transporte, indústria e geração de energia.

O Brasil possui um dos maiores e mais diversos portfólios de energia renovável do mundo, em razão de seus abundantes recursos naturais. Em 2022, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), 92% de toda a energia elétrica produzida teve como origem fontes de energia renováveis, assim distribuídas: usinas hidrelétricas (72,1%), eólicas (13,5%), plantas solares (2,1%) e biomassa (4,4%).

Nestes termos, o Brasil possui condições concretas de desempenhar um papel significativo frente ao processo de transição energética notadamente com destaque para o emergente mercado de H2V. De acordo com o estudo “The green hidden gem – Brazil’s opportunity to become a sustainability powerhouse” da McKinsey & Company, o Brasil é um dos países mais competitivos do mundo na produção de H2V, pois o seu custo nivelado será inferior a US$ 1,50/kg já em 2030, podendo cair para US$ 1,25/kg até 2040. Este dado tornará o Brasil um dos players com maior competitividade na produção de H2V, aproximando-o a outros países, como Estados Unidos, Austrália, Espanha e Arábia Saudita.

Diante do potencial brasileiro e de suas perspectivas positivas, o foco deste artigo é o mapeamento e a análise dos principais projetos de H2V no país e dos stakeholders envolvidos na promoção e no desenvolvimento de seu mercado nascente.

O Brasil apresenta projetos de H2V em fase de operação ou que foram anunciados, conforme destacado na Figura 1. Observa-se que uma parcela significativa do território nacional já está inserida no contexto desse novo mercado, com destaque para as regiões Nordeste, Sul e Sudeste. São Regiões que apresentam condições mais favoráveis à implantação de projetos de H2V, conforme será analisado em seguida.

Figura 1: Estados brasileiros com projetos de H2V anunciados ou em operação

Fonte: Elaboração própria, a partir de informações da EPE, IPEA e GIZ.

De acordo com o estudo “Panorama do Hidrogênio no Brasil”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as estimativas dos investimentos anunciados para a construção de plantas produtoras de H2V no país somavam mais de US$ 27 bilhões, em agosto de 2022. A maior parte do investimento está concentrada em portos, com destaque para o Porto de Pecém- Ceará, o Porto de Suape – Pernambuco, e o Porto de Açu- Rio de Janeiro. Esses portos combinam uma série de fatores estratégicos que são atrativos para os investimentos nas plantas de H2V, como logística para exportação e proximidade de polos industriais. O potencial para geração de energia renovável está diretamente associado às facilidades derivadas do Brasil deter um sistema integração de redes de transmissão.

Neste processo intenso e cada vez mais denso, a cooperação internacional tem apresentado um papel relevante para o desenvolvimento dos projetos de H2V no Brasil, a partir do sobretudo de projetos de parceria e de financiamento de empresas europeias, em função da posição de grande importador de recursos energéticos.

Um exemplo é o programa alemão iH2 Brasil, realizado pela Aliança Brasil-Alemanha pelo H2V, que selecionou oito projetos pilotos para serem desenvolvidos nas universidades brasileiras a partir de 2023. Outro exemplo concreto é acordo assinado, no dia 13 de março, entre os governos do Brasil e Alemanha para o desenvolvimento de tecnologias de produção de H2V por pequenas e médias empresas, startups e organizações de pesquisa e tecnologia.

Observa-se que os projetos de H2V requerem o envolvimento, a participação e a colaboração de todo um ecossistema de agentes para o imprescindível e estratégico desenvolvimento de uma cadeia de valor.  Neste sentido, o artigo “Hydrogen economy development in Brazil: An analysis of stakeholders’ perception, publicado pela equipe de pesquisadores do GESEL, na revista Sustainable Production and Consumption, mapeou as principais categorias dos stakeholders do mercado brasileiro de hidrogênio e suas respectivas funções desempenhadas na nova cadeia de valor:

i. Empresas: atores públicos e privados com papel real ou potencial nesta cadeia produtiva como produtores de insumos, equipamentos ou hidrogênio e derivados, consumidores ou intermediários;
ii. Entidades governamentais: órgãos públicos envolvidos no financiamento, na regulamentação, na padronização ou no desenvolvimento de políticas associadas ao hidrogênio e derivados;
iii. Associações: associações sem fins lucrativos ativas em setores relacionados ao hidrogênio e à indústria de seus derivados;
iv. Universidades: laboratórios, grupos de pesquisa, departamentos ou divisões de universidades, especializados em temas relacionados ao hidrogênio e seus derivados; e
v. Centros de pesquisa: laboratórios, institutos e centros de pesquisa voltados ao desenvolvimento de tecnologias e insumos ou à produção de hidrogênio e de derivados.
io e derivados, consumidores ou intermediários;

No artigo, são ressaltadas, ainda, algumas ações por parte do poder público, com a finalidade de acelerar a penetração do H2V, como o desenvolvimento de estratégias nacionais; a cooperação com stakeholders para promover oportunidades neste mercado; o estabelecimento de regulamentações para remover possíveis barreiras; a realização de investimentos em infraestrutura; e a promoção de incentivos. Portanto, entende-se que as entidades governamentais desempenham um papel estratégico na garantia do sucesso de uma cadeia de H2V competitiva no cenário nacional.

Dentre os agentes públicos relevantes no ecossistema do H2V, merece destaque os bancos de desenvolvimento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Nordeste (BNB), as agências reguladoras, especialmente a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional do Petróleo e Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Além disso, os órgãos que participam da elaboração de políticas públicas, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) que detém uma posição e atuação estratégica.

Em relatório produzido pela GIZ, intitulado “Mapeamento do Setor de Hidrogênio Brasileiro Panorama Atual e Potenciais para o Hidrogênio Verde”, a categoria “produtores de hidrogênio” é composta por empresas capazes de transformar a produção atual de hidrogênio cinza em H2V, com destaque para as companhias do setor energético. Na categoria “consumidores”, encontram-se as empresas dos setores petroquímico, siderúrgico, vidreiro e alimentício, dentre outros, com o potencial para, no futuro, utilizar H2V em seus processos produtivos.

Em relação à categoria “fornecedores de tecnologia”, os destaques foram as empresas capazes de fornecer sistemas ou componentes tecnológicos, considerando toda a cadeia de valor, incluindo empresas que possuem expertise no desenvolvimento de soluções em hidrogênio, especialmente para o setor de transporte e áreas relacionadas. Na categoria “prestadores de serviços”, foram consideradas empresas de consultoria e engenharia que trabalham com a temática de descarbonização e possuem experiência em estudos de viabilidade ou gerenciamento de projetos relacionados ao setor.

Por fim, no que diz respeito à categoria “Instituições de Universidades e Centros de P&D”, cujos agentes desempenham um papel fundamental na promoção do desenvolvimento de uma economia baseada em H2V, foram identificadas instituições que possuem pesquisas em andamento sobre H2V ou que já publicaram estudos relevantes sobre o tema. Dentre essas instituições, o relatório identifica o Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL) da UFRJ.

Em síntese e a título de conclusão, o H2V tem potencial de desempenhar um papel crítico e estratégico na transição energética, dada sua capacidade de descarbonizar setores que atualmente dependem da utilização de combustíveis fósseis. O Brasil já conta com diversos projetos relacionados ao desenvolvimento de H2V anunciados ou em andamento, envolvendo uma ampla gama de stakeholders que, de fato, têm o objetivo comum de criar um mercado e cadeia de valor de H2V confiável e sustentável, gerando renda e emprego.

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