Hidrogênio verde: mercado internacional e novos investimentos

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Autores:
Nivalde de Castro – Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal – Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).

Diante do processo de transição energética e da busca por tecnologias de baixo carbono, destaca-se a diversidade de aplicações do hidrogênio (H2) renovável em setores de difícil eletrificação, incluindo o uso direto em indústrias e na conversão em combustíveis e químicos. Além disso, verifica-se que a necessidade de reduzir a importação de combustíveis fósseis, problema para a grande maioria dos países, acelera a procura de bens substitutos, como o H2. Neste contexto de segurança energética e descarbonização, Estados Unidos, União Europeia e China desenvolvem planos verdes que também contribuem para a aceleração econômica e que simultaneamente impulsionam a criação de cadeias produtivas do H2 renovável.

De acordo com a Agência Internacional de Energias Renováveis – IRENA (2022), mais de 30 países de diferentes regiões apresentam estratégias nacionais de desenvolvimento do H2 com planos de importação ou exportação, o que corrobora o cenário de que o comércio internacional de H2 tende a crescer nos próximos anos. Assim, os fluxos comerciais e de investimento em hidrogênio gerarão novos padrões na economia internacional e na geopolítica mundial.

Vale ressaltar que muitos países declararam ambição de se tornarem exportadores de hidrogênio, implicando em menor probabilidade de concentração das exportações. No entanto, a oferta do hidrogênio apresenta como desafios o ritmo de investimentos e custo de produção, especialmente diante de um contexto em que ainda não há uma consolidação de mercados a longo prazo.

Segundo o Hydrogen Council (2022), China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Europa e América do Norte serão responsáveis por 75% da demanda global de hidrogênio em 2050, com a China emergindo como o maior consumidor nos próximos anos, em função da dinâmica de crescimento e do alto grau de participação das fontes não renováveis na matriz energética. Constata-se, contudo, à semelhança do que ocorre nos mercados de petróleo e gás natural, que existe uma certa discrepância entre os locais de maior potencialidade e competividade para produção do H2 renovável e os centros de demanda. Dentre os países consumidores, destacam-se Japão, Coreia do Sul e China, considerando que terão recursos competitivos de produção limitados e precisarão recorrer a importações. A Europa Central e Ocidental também está neste grupo, por não conseguirem produzir localmente os volumes necessários em razão das limitações de capacidade.

 O Brasil, por sua vez, apresenta um grande potencial de produção de H2 renovável, o que o qualifica para poder suprir parte dessa demanda internacional de H2. Diante disso, torna-se relevante analisar o atual mercado do H2 renovável e os novos investimentos na tecnologia, de forma a avaliar o ritmo e a tendência observada para este setor e contribuir para o entendimento sobre a sua trajetória futura e possíveis impactos/desafios.

Nos últimos anos, o foco estratégico dos investidores internacionais tem sido, majoritariamente, em empresas de tecnologia e engenharia, as quais são necessárias para desenvolver equipamentos para a produção de hidrogênio verde em escala industrial.

Como segundo passo neste processo, se verifica, atualmente, um maior direcionamento à efetiva construção de projetos de produção de H2 em grande escala, incluindo, ainda, a avaliação e investimentos em diferentes infraestruturas de transporte, como terminais de conversão/reconversão e navios. Nesse contexto, salienta-se que na maioria dos casos, o hidrogênio renovável, em especial o H2V, não é o produto final a ser consumido, mas serão os seus derivados, como amônia verde ou metanol, que terão importância crescente nos mercados (Weichenhain e Schmitt, 2022).

Frente ao potencial de mercado, o desenvolvimento do hidrogênio continua a acelerar, com mais de 1.000 projetos anunciados no mundo, estima-se cerca de US$ 320 bilhões de investimentos. Cerca de 80% destes projetos pretendem entrar em operação até 2030. No entanto, apenas US$ 29 bilhões foram efetivados na decisão final de investimento (FID, na sigla inglês), segundo o Hydrogen Council (2023).

Vale ressaltar que, à medida que os projetos amadurecem, ultrapassando o FID, os investidores estratégicos transferem suas atividades de H2 dos orçamentos de inovação para o financiamento de projetos. Além disso, esses projetos se tornam cada vez mais propícios a trazer investidores institucionais adicionais para mobilizar o capital necessário (Weichenhain e Schmitt, 2022). Estas considerações são extremamente relevantes, pois para alcançar a meta de net zero em 2050, serão necessários novos investimentos anunciados até 2030, além de que que os projetos ainda precisarão passar por etapas de amadurecimento e implantação.

Diante desse enquadramento, no dia 22 de julho de 2023, durante a 14ª Reunião Ministerial de Energia Limpa (CEM14) realizada em Goa, na Índia, foi assinada uma histórica declaração conjunta por diferentes países e regiões, nomeadamente Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Alemanha, Japão, Arábia Saudita, Coreia do Sul, Holanda, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai e Comissão Europeia em nome da União Europeia. A fim de acelerar o comércio internacional de hidrogênio, os governos citados se uniram no lançamento do Fórum Internacional do Comércio de Hidrogênio (IHTF, na sigla em inglês), que tem como objetivo criar uma plataforma única para promover o diálogo entre países importadores e exportadores. Os presidentes inaugurais do IHTF são a Holanda e os Emirados Árabes Unidos, com a primeira reunião marcada para a COP28. A cooperação e a coordenação globais são identificadas como elementos críticos para compartilhar conhecimentos, experiências, melhores práticas e promover pesquisa, inovação e demonstração. Além disso, ressalta-se que as medidas tomadas no âmbito do comércio internacional de hidrogênio estejam em conformidade com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) (UNIDO, 2023).

Em suma, o Fórum deve buscar uma maior sincronização entre as ações prioritárias dos formuladores de políticas e líderes industriais através de planos de ação público-privados. Busca-se, assim, acelerar o comércio internacional de hidrogênio, reduzir barreiras e promover condições adequadas de mercado.

No Brasil, por sua vez, o modelo ainda incipiente do mercado de H2 é centrado em projetos cativos, nos quais a integração entre oferta e demanda elimina, fortemente, o risco dos investimentos em grande escala da produção e do transporte midstream, através de acordos de longo prazo com consumidores. No entanto, verifica-se o interesse em projetos de grande escala com orientação de exportação no médio prazo, em regiões caracterizadas por um custo nivelado de eletricidade (LCOE, na sigla em inglês) muito baixo e pela localização estratégica para logística e exportação como é o caso do Porto de Pecém no Ceará, estado que tem uma política pública ativa e inovadora.

Um mapeamento realizado pelo H2 Brasil, projeto resultante de uma parceria entre a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) e o Ministério de Minas e Energia, identificou, pelo menos, 42 projetos de diferentes portes e estratégias de desenvolvimento para a produção de hidrogênio verde no país. Observa-se que o H2 Brasil, que começou em 2021 e desenvolverá suas atividades até o final de 2023, mapeou mais de 800 empresas e instituições em 12 setores da cadeia de valor do hidrogênio verde, em cinco regiões brasileiras (Teles, 2023).

A título de conclusão, a médio e longo prazo, os países com amplo potencial renovável, como o Brasil, poderão tornar-se locais propícios para a industrialização verde. Assim, ressalta-se a necessidade de articulação entre possíveis fornecedores e clientes no mercado interno e externo de H2, visando a celebração de contratos de longo prazo. Essas parcerias permitirão a redução de riscos comerciais e de capacidade financeira dos projetos, a partir da garantia de demanda do hidrogênio e de seus derivados, o que, consequentemente, facilita a entrada de diferentes fontes de financiamento. Nas fases iniciais do mercado, em muitos casos, um componente de financiamento público (possivelmente internacional) deverá ser incluído para cobrir o prêmio de custo do hidrogênio verde versus o hidrogênio cinza.

Referências:

UNIDO (2023). Launch of the International Hydrogen Trade Forum to accelerate global hydrogen flows. Disponível em: https://www.unido.org/news/launch-international-hydrogen-trade-forum-accelerate-global-hydrogen-flows. Acesso em: 25 jul. 2023.

Hydrogen Council (2023). An update on the state of the global hydrogen economy, with a deep dive into North America. Disponível em: https://hydrogencouncil.com/wp-content/uploads/2023/05/Hydrogen-Insights-2023.pdf. Acesso em: 23 jul. 2023.

Hydrogen Council (2022). Global Hydrogen Flows: Hydrogen trade as a key enabler for efficient decarbonization. Disponível em: https://hydrogencouncil.com/wp-content/uploads/2022/10/Global-Hydrogen-Flows.pdf. Acesso em: 25 jul. 2023.

IRENA (2022). Geopolitics of the Energy Transformation: The Hydrogen Factor. Disponível em: https://www.irena.org/Digital-Report/Geopolitics-of-the-Energy-Transformation. Acesso em 30 jul. 2023.

Teles, B. Mapeamento aponta crescimento de projetos de hidrogênio verde no Brasil. Disponível em: https://clickpetroleoegas.com.br/mapeamento-aponta-crescimento-de-projetos-de-hidrogenio-verde-no-brasil/. Acesso em: 25 jul. 2023.

Weichenhain, U.; Schmitt, C. (2022). Green H2 investments – Enabling clean energy and industry. Disponível em: https://www.rolandberger.com/en/Insights/Publications/Green-H2-investments-Enabling-clean-energy-and-industry.html. Acesso em: 25 jul. 2023.


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