Financiamento nacional para o desenvolvimento da cadeia de produção do hidrogênio renovável

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Autores:
Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora Plena do GESEL.
Vinícius José da Costa- Pesquisador Júnior do GESEL.


Diante do processo de transição energética, o hidrogênio renovável se destaca como uma opção essencial para atingir as metas de redução das emissões de carbono, especialmente em segmentos denominados como hard-to-abate. E para inúmeros países, em especial, os Países Membros da União Europeia garantir de forma crescente a segurança energética.

No caso brasileiro, as atividades de metalurgia e produção de cimento são exemplos desses segmentos e foram responsáveis por 52% das emissões de gases do efeito estufa (GEE) no setor industrial nacional. Em outros segmentos produtivos, a produção de hidrogênio renovável e seus derivados constituem uma alternativa promissora para a descarbonização como é o caso dos setores de fertilizantes, aviação, transporte de carga terrestre e marítimo. No seu conjunto e dentro de uma visão mais estratégica, esta dinâmica de reconversão das cadeias produtivas dá condições efetivas para uma neoindustrialização verde no país, impulsionada pela competitividade brasileira no âmbito da produção de energias renováveis.

De acordo com o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), publicado pelo Ministério de Minas e Energia, são três os marcos temporais para o desenvolvimento da cadeia produtiva do hidrogênio no Brasil:

  1. Disseminar plantas piloto de hidrogênio de baixo carbono em todas as regiões em 2025;
  2. Consolidar o país como o mais competitivo produtor de hidrogênio de baixo carbono em 2030; e
  3. Consolidar os hubs de hidrogênio de baixo carbono em 2035.

No entanto, vale ressaltar que para o desenvolvimento e a consolidação de uma economia do hidrogênio no Brasil torna-se necessário o estabelecimento de uma estrutura político-regulatória, assim como econômico-financeira, para esses novos projetos. Nesse sentido, o foco analítico deste artigo centra-se nos desafios relacionados ao financiamento e à redução de riscos de investimento no hidrogênio, principalmente nas etapas iniciais de desenvolvimento dos projetos no país.

O setor energético, especialmente a produção de hidrogênio renovável, é um setor de infraestrutura estratégico com capacidade efetiva de alavancar o desenvolvimento econômico nos âmbitos nacional, regional e internacional, tendo em vista os potenciais ganhos de competitividade derivado diretamente da capacidade de aproveitamento dos recursos renováveis, fortalecimento da cadeia produtiva interna e impacto direto e indireto no mercado externo.

Ademais, por ser um setor de infraestrutura, é composto por investimentos intensivos em capital, com longo prazo de maturação e com a presença dos chamados “custos afundados”, uma vez que tais investimentos dificilmente terão um uso alternativo.

À semelhança de outras indústrias emergentes, o investimento necessário para criar uma preliminar base produtiva do hidrogênio renovável exige uma abordagem capaz de lidar com maiores riscos e com a complexidade inerente a uma tecnologia inovadora. Portanto, o investimento para esses projetos necessita de um modelo de financiamento diferenciado, principalmente no caso de países em desenvolvimento, como o Brasil, onde prevalece a dificuldade de fontes de financiamento de longo prazo a custos menores, de modo que o Estado assume um papel de relevância estratégica.

No artigo Financing of PtX Projects in Non-OECD Countries, elaborado pela Frankfurt School of Finance, aponta-se que, em geral, as alternativas financeiras diferem dependendo do estágio do projeto. Assim, durante o desenvolvimento inicial, os projetos carregam um risco significativo, que é reduzido apenas quando todas as licenças são obtidas e as viabilidades legal, operacional e financeira são demonstradas. Embora os requisitos de investimento sejam modestos nos estágios iniciais, o financiamento de terceiros geralmente não está disponível. Deste modo, é exigido um maior esforço financeiro para os desenvolvedores de projetos, que muitas vezes apresentam limitações de capitalização. No entanto, após a fase de desenvolvimento, os riscos são significativamente menores, a bancabilidade é aprimorada e mais alternativas financeiras se tornam acessíveis.

Nesse sentido, as principais barreiras observadas pelos investidores e financiadores concentram-se principalmente em torno do estágio nascente do mercado, do que conceitualmente é denominado por indústria nascente. Do lado da demanda, as incertezas em torno do alto preço do H2, regulamentações e padrões técnicos limitam o interesse dos compradores para se comprometerem com acordos offtakers de mais longo prazo. Assim, a presença de compradores confiáveis de longo prazo dispostos a pagar um prêmio por produtos verdes (idealmente com um preço mínimo) é fundamental.

Pelo lado da oferta, nota-se um aparente gargalo dos principais fornecedores de equipamentos, que não conseguem cumprir prazos de entrega firmes e fornecer garantias técnicas, além do risco latente de avanços tecnológicos que possam tornar a tecnologia atual não competitiva.

Vale ressaltar que há uma diferença entre o preço necessário para tornar o hidrogênio renovável lucrativo e o preço pelo qual o hidrogênio cinza é atualmente comercializado, o que cria uma lacuna entre a demanda financeira e o mercado atual. Nesse sentido, iniciativas como o H2Global podem desempenhar um papel importante, estimulando o mercado ao proporcionar uma influência positiva a partir de leilões de longo prazo e incentivando a adoção de mecanismos de equalização de preços. Outros instrumentos de políticas públicas podem ser utilizados para reduzir a diferença de preços, como mercado de carbono, barreiras comerciais ambientais a bens com maior pegada de carbono, dentre outros.

Atualmente, o Brasil possui um dos maiores e mais diversos portfólios de energia renovável do mundo, em razão de seus abundantes recursos naturais. Em 2022, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), 92% de toda a energia elétrica produzida no Brasil teve como origem fontes de energia renováveis. Deste contexto, insere-se que o Brasil pode se tornar um dos principais países exportadores, com potencial técnico estimado pela EPE para produzir 1,8 gigatonelada de hidrogênio renovável por ano.

Diante desse cenário, a temática do financiamento recebe destaque para o desenvolvimento nacional da economia de hidrogênio, de tal forma, que a ampliação do financiamento foi definida como uma das prioridades do ciclo de 2023-2025 do PNH2.

Instituições públicas financeiras já buscam protagonismo na promoção e no desenvolvimento de mercados de H2. Organizações como BNDES, FINEP, BNB, BRDE e BANRISUL têm se empenhado em fornecer linhas de financiamento que oferecem suporte para as diferentes etapas da cadeia produtiva do hidrogênio e podem se tornar hubs para a mobilidade de recursos. O Quadro 1 sintetiza as principais linhas e programas de financiamento atualmente direcionadas ao hidrogênio no país.

Quadro 1: Linhas de Financiamento para projetos de hidrogênio renovável no Brasil

Fonte: Elaboração própria com base em informações colhidas nos sites das instituições financeiras citadas.

A estrutura de financiamento para projetos de H2 renovável no Brasil tenderá a ser de co-financiamento, mediante a participação de instituições públicas e fundos públicos, em que nesta etapa inicial devem representar uma maior contribuição de capital e doações do que dívida. O mercado de capital privado deve entrar em um segundo momento. Assim, ressalta-se a importância das instituições públicas financeiras em desempenhar um papel crucial na promoção e no desenvolvimento de mercados emergentes no setor energético nacional.

Nesse sentido, a priorização do financiamento, como evidenciado no PNH2, e a participação ativa de instituições públicas financeiras, com destaque para o BNDES, serão cruciais para impulsionar a promissora indústria do hidrogênio, abrangendo todas as fases da sua cadeia produtiva. Os projetos de P&D, especialmente no âmbito da Chamada Estratégica nº 23/2023 da Agência Nacional de Energia Elétrica, também são primordiais para o desenvolvimento da cadeia produtiva, em especial do desenvolvimento tecnológico dos offtakers ao conceder recursos a fundo perdido, atuando como um catalizador de investimentos mais substanciais.

Por fim, destaca-se que o compromisso com o financiamento sustentável e acessível pode solidificar a posição do Brasil como um líder na transição energética global, ao mesmo tempo em que estimula o desenvolvimento socioeconômico e a inovação tecnológica do país.

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