Desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde na América Latina e no Brasil

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O hidrogênio (H2) pode ser produzido através de diversas tecnologias, com destaque para a rota da eletrólise da água que utiliza como fonte as energias renováveis, o processo produtivo não emite carbono, sendo denominado por hidrogênio verde (H2V).

Como a prioridade da transição energética é a descarbonização dos processos produtivos e padrões de consumo, o H2V se coloca como prioridade estratégica de diferentes nações. Desta forma, o aumento da demanda por energia não poluidora, a necessidade de redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE), e a busca pela mitigação da exposição a futuros conflitos geopolíticos e à volatilidade de preços dos recursos fósseis, que a crise da Ucrânia fez emergir, consolida o H2V em um cenário promissor de aumento da produção mundial.

A economia do H2 é o termo utilizado para expressar a capacidade de aplicação transversal nos processos produtivos da economia como um todo. O H2V pode ser utilizado em diversos segmentos que compõem a matriz energética, incluindo os setores de difícil descarbonização, como a indústria siderúrgica, química, cimenteira, etc, e no transporte de carga e de longa distância.

A partir deste breve enquadramento analítico, pretende-se examinar de forma bem objetiva e direta o panorama de desenvolvimento do H2V na América Latina e, mais especificamente, no Brasil.

Um elemento central e determinante da expansão da produção do H2V é a análise de custos eu tem como base dois principais fatores:

  1. Capital expenditure (CAPEX); e
  2. Operacional expenditure (OPEX).

De forma bem simplificada, para a produção do H2V, a unidade de produção é uma planta de eletrólise alimentada por energia renovável. Nesse caso, o CAPEX é referido, principalmente, pelo equipamento do eletrolisador. O OPEX, por sua vez, é o custo do insumo de energia, manutenção da planta e custo da água. O preço da eletricidade renovável corresponde a cerca de 70% do custo do H2V, sendo assim é uma variável muito importante para a avaliação econômico-financeira de um projeto de produção do hidrogênio, identificando esta atividade produtiva como uma indústria eletrointensiva.

A partir desta metodologia, pode-se considerar como muito competitivos os países da América Latina, dado o potencial de produção de energia renovável, dentre os quais se destacam Chile, Colômbia, Brasil e Uruguai, que já iniciaram a elaboração de estratégias para o desenvolvimento do hidrogênio de baixo carbono no longo prazo.

Esta posição analítica é corroborada pelo Banco Mundial, que considera que a América Latina pode se tornar uma das regiões mais competitivas do mundo na produção de H2V até 2030, tendo em vista que seus países apresentam um significativo potencial, tanto para exportação como consumo interno. Ademais, segundo a International Renewable Energy Agency,a região é a quinta do planeta com maior potencial técnico para produzir H2V, podendo ter até 2050, preços abaixo de US$ 1,5/kg.

Para o atendimento do mercado interno, de acordo com International Energy Agency, os setores industrial e de refino de petróleo demandaram mais de 4 Mt de hidrogênio cinza em 2019 (cerca de 5% da demanda global), principalmente para produzir amônia, metanol, aço e derivados de petróleo refinados. Assim, o hidrogênio de baixo carbono pode auxiliar os países da América Latina a alcançarem as metas relacionadas à redução das emissões de GEE. Além disso, em uma futura expansão de mecanismos de precificação do carbono, destaca-se o potencial de exportação de produtos não poluentes na região.

No Brasil, o imenso potencial de recursos energéticos e as vantagens climáticas para o desenvolvimento de energias renováveis devem ser destacados. O Brasil é um país tropical de dimensão continental, recebendo raios solares com grande intensidade, o que favorece a geração solar. Além disso, o Brasil possui áreas onde há grandes quantidades de ventos estáveis, com intensidade adequada e sem mudanças bruscas de velocidade ou direção, o que é muito propício para a geração eólica.

A partir de consistentes políticas públicas de incentivo às novas energias renováveis, as gerações solar e eólica apresentaram um significativo aumento nos últimos anos. Em 2011, o país possuía 1,4 GW de capacidade instalada de energia eólica e, em 2021, este número aumentou para cerca de 21 GW, totalizando um crescimento de 31% ao ano. No mesmo período, a capacidade instalada da energia solar aumentou de 6 MW para 13.000 MW, representando um crescimento de 115,3% ao ano.

Atualmente, a participação de energias renováveis na produção de energia elétrica no país é, em média, de 83%, com destaque para as fontes hidráulica, eólica, biomassa e solar. O Brasil é o segundo maior país em produção de hidroeletricidade e o sexto maior produtor de energia eólica no mundo. De acordo com a ABEEólica, as características dos bons ventos brasileiros resultam em um fator de capacidade que é praticamente o dobro da média mundial, que é de 25%, o Brasil possui uma média superior a 40%, atingindo valores próximos a 60% e 70%na Região Nordeste. A partir do advento do Decreto n° 10.946/2022, a geração eólica offshore no Brasil passou a ser regulada abrindo assim a possibilidade concreta de exploração desta fonte.

Considerando a renovabilidade da matriz elétrica nacional, para produzir 1 MWh, o Setor Elétrico Brasileiro emite cerca de 37% do valor das emissões de GEE da União Europeia, 27% do setor elétrico americano e 15% do chinês, segundo dados do Balanço Energético Nacional.

Diante desse cenário, o Brasil tem condições efetivas de se tornar um líder mundial em produção de H2V. Com o passar dos anos, os custos da eletricidade renovável e do H2V ficarão mais baratos graças às economias de escala e progressivas inovações tecnológicas.

A partir da Proposta de Diretrizes para o Programa Nacional de Hidrogênio, publicada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e da Nota Técnica da Empresa de Pesquisa Energética “Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio”, ambas publicadas em 2021, foi percebido um crescimento da visibilidade do H2, marcando o início do desenvolvimento do mercado deste vetor energético no âmbito nacional. Destaca-se, ainda, o esforço de envolvimento de todos os agentes relevantes, além da cooperação internacional com instituições e empresas estrangeiras interessadas em investir em projetos de H2 no Brasil.

É fundamental ressaltar o alto potencial de desenvolvimento dos mercados de hidrogênio de baixo carbono latino-americano e brasileiro nas próximas décadas. Contudo, as alianças público-privadas e internacionais são essenciais para promover a produção e superar os principais desafios relacionados. O potencial da América Latina para produção do H2V ganha atenção dos formuladores de políticas públicas e se mostra significativamente estratégico para o desenvolvimento econômico da região.

Destaca-se que, enquanto os países com custos de geração de energia mais baixos possuem vantagens competitivas na produção do H2, aqueles com maior consumo do H2V são, em geral, os com menor potencial competitivo, o que configura grandes oportunidades de exportação. Porém, o custo de transporte do H2V ainda é um desafio que precisa ser superado para possibilitar a sua exportação.

Outro fator importante ao desenvolvimento da cadeia de valor do H2V na América Latina será a expansão da sua demanda interna, considerando fatores regulatórios e econômicos impulsionados pela temática emergente do ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa), o que poderá incentivar a substituição de recursos energéticos poluentes por fontes de energia renováveis.

Por fim, com a consolidação da produção do H2V, os setores de uso final de diferentes regiões da América Latina podem reduzir as emissões de GEE, desenvolver a sua cadeia de valor industrial verde, aumentar a capacidade tecnológica e de infraestrutura, além de gerar empregos. Ademais, a versatilidade de utilização do H2 permite que cada país adapte a sua estratégia de implantação ao contexto interno e a prioridades de longo prazo.

Autores:

Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).

Luiza Masseno Leal- Pesquisadora Plena do GESEL e Pesquisadora Associada da ICT-RESEL.

José Vinícius Freitas- Pesquisador Júnior do GESEL.

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