A importância do Atlas do Hidrogênio Verde no Brasil

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Autores:
Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiz Fernando Vianna- Presidente do Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (LACTEC).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).


A descarbonização de atividades econômicas da sociedade ganhou prioridade em função dos riscos ambientais derivados do aquecimento global, com reflexos diretos nas políticas públicas nacionais multisetoriais. A questão central é a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa nas atividades produtivas de bens e serviços, assim como nos padrões de consumo.

Neste contexto geral, várias regiões e países estão adotando planos, programas e ações que buscam acelerar o processo de transição energética com foco em dois vetores estratégicos: (i) eletrificação com predominância crescente das fontes renováveis na geração de energia elétrica; e (ii) substituição do consumo de recursos energéticos fósseis pelo hidrogênio verde (H2V), constituindo, este último, o maior desafio.

Como resultante, o H2V, novo recurso energético renovável, tende, de forma relativamente previsível, a modificar a geopolítica energética mundial, a partir do redesenho das relações energéticas, industriais e socioeconômicas entre os países. Esta posição analítica tem como principal fundamento o fato de que a produção mundial de H2V e de seus derivados será descentralizada, formando, assim, uma estrutura de mercado diversa da que prevalece hoje no mercado mundial de petróleo e gás natural.

Diante das suas características climáticas e geográficas e por ser um país tropical e de dimensão continental, o Brasil possui um forte potencial para se consolidar como um grande produtor e exportador mundial de H2V. No entanto, o desenvolvimento da economia do H2V possui diversos entraves, dentre os quais, se destacam questões como custo, infraestrutura de armazenamento e transporte e inovações tecnológicas para o seu uso nos processos produtivos. Assim, a difusão do uso do H2V exigirá investimentos significativos em pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura, além de adaptações tecnológicas na sua aplicação final.

De acordo com estudo do Panorama do Hidrogênio no Brasil do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as principais aplicações se concentram na produção de amônia, na produção de metanol e seu uso em refinarias, na siderurgia, na indústria de alimentos, em semicondutores e em aplicações energéticas. Nestes termos, há um desafio de se mensurar o potencial de oferta e demanda para que este novo mercado possa efetivamente se desenvolver no país.

Um instrumento inicial que contribuirá para o desenvolvimento do mercado de H2V no Brasil é a elaboração de estudos do tipo de Atlas. Esta iniciativa se insere em uma ação estratégica para o mapeamento geográfico do potencial de oferta e demanda do mercado de H2V, a partir do qual decisões de políticas públicas de incentivos e ações privadas de estímulo para os novos investimentos necessários podem ser realizadas.

Nota-se que os países que construíram o Atlas de hidrogênio, como, por exemplo, Austrália, Estados Unidos e Portugal, conseguem definir com mais consistência as proposições de políticas públicas e de novos modelos de negócios relacionados ao tema. Ademais, com um Atlas constituído, esses países possuem uma maior capacidade de sensibilizar e induzir uma articulação entre diferentes stakeholders,como governo, investidores, fornecedores de equipamentos e consumidor final.

No Atlas, o mapeamento potencial da oferta inclui a identificação de produtores competitivos de H2V, da maior disponibilidade de fontes de energia renovável, da infraestrutura e da localização de áreas ambientalmente protegidas. Aspectos geográficos, como terreno, ocupação do solo, topografia e batimetria, também são variáveis indicadas no mapeamento do Atlas. Além disso, o mapeamento potencial da demanda inclui potenciais compradores internos e externos por tipo de uso final, como indústria, transporte, matéria-prima, etc. Desta forma, o Atlas possibilita o mapeamento de potenciais offtakers, incluindo a demanda de diferentes setores industriais no país e as oportunidades logísticas e de infraestrutura para vendas para o mercado externo.

No caso do Brasil, vale ressaltar os diversos potenciais que o Atlas apresenta para a ampliação do desenvolvimento da economia do H2V, tais como: i) o auxílio às análises de viabilidade técnica-econômica de investimentos na indústria de hidrogênio, gerando, assim, os elementos essenciais para a definição de linhas de financiamento; ii) a contribuição para a consolidação de um mercado interno e de exportação de hidrogênio, através da identificação de oportunidades pelo lado da oferta e da demanda; iii) a formatação de novos modelos de negócios e pipeline de desenvolvimento de projetos em energia renovável e infraestrutura; iv) uma maior articulação e o estabelecimento de parcerias entre os agentes interessados, incluindo governo, investidores, fornecedores de equipamentos e consumidores finais; e v) o auxílio aos formuladores de políticas públicas na tomada de decisões sobre a localização de novas infraestruturas e o desenvolvimento de hubs de hidrogênio no país.

A publicação do Atlas será fundamental para que os players envolvidos tenham uma fonte confiável de informação, consigam focar os estudos e realizem os investimentos com uma visão global de país. Como exemplo bem-sucedido, tem-se o Atlas Eólico, que contribuiu diretamente para o desenvolvimento e a consolidação desta fonte que, hoje, apresenta uma participação robusta na matriz energética brasileira.

Vale destacar a importância das chamadas estratégicas de projetos de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica, cujo papel é direcionar investimentos em novas tecnologias para o Setor Elétrico Brasileiro, envolvendo vários ramos da nossa economia, a exemplo da mobilidade elétrica. Com a eminência do lançamento de uma chamada estratégica direcionada ao H2V, o mercado de inovação, através de trabalho colaborativo entre ICTs e universidades, se prepara para atender as demandas relativas ao tema.

A título de conclusão, é necessário que o Brasil tenha uma visão estratégica bem consolidada para o desenvolvimento da economia do H2V. Para atingir esse objetivo, é necessário acelerar os esforços em direção à construção de um Atlas do H2V, que constitui uma experiência positiva de acordo com estudos de caso internacionais. Deste modo, será possível levantar e mapear potenciais ofertantes e demandantes, articular uma maior coordenação entre stakeholders, ampliar os investimentos e linhas de financiamento, além de possibilitar a construção de hubs de hidrogênio por meio do fomento da cadeia produtiva do H2V e de um fluxo comercial confiável e bem estruturado.

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