Principais iniciativas e desafios para a certificação do hidrogênio

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Autores: Nivalde de Castro – Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal – Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).
Bruno Elizeu -Pesquisador Júnior do GESEL
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O hidrogênio apresenta diversas rotas tecnológicas de produção determinando diferentes intensidades de emissão de CO2. Diante destas possibilidades, critérios e indicadores de sustentabilidade do H2 são qualificados através da certificação, instrumento fundamental para delimitar os parâmetros para o mercado de hidrogênio – desde o cinza até o de baixo carbono ou renovável – no âmbito do processo de descarbonização da economia global. A partir da emissão de certificados de hidrogênio, ofertantes e demandantes desse novo, promissor e irreversível vetor energético podem garantir a sua origem e qualificar os produtos dali derivados.

O hidrogênio verde (H2V), por exemplo, produzido através de energia renovável, desempenhará um papel estratégico para diversos países. A partir da substituição do uso de combustíveis fósseis em diferentes atividades econômicas, o H2V pode i) potencializar a descarbonização de setores altamente poluidores; e ii) reduzir a exposição à volatilidade de preços e a necessidade de importação de recursos fósseis. Entretanto, atualmente, como era de se esperar, menos de 1% da produção global de hidrogênio é proveniente de fontes de energia renováveis. O domínio da produção a partir de fontes fósseis ocorre, principalmente, por cadeias produtivas já consolidadas com escala de produção que determinam preços baixos. No momento, o custo do H2V atinge valor duas a três vezes maior do que o hidrogênio cinza, que é produzido a partir de combustíveis fósseis. Esse domínio, no entanto, deverá ser temporário. O processo de transição energética e o agravamento do mercado de energia imposto pela Guerra da Ucrânia estão na base dos novos investimentos em H2 de baixo teor de CO2.

Segundo a análise do relatório Renewables 2022 da International Energy Agency (IEA), o H2V está despertando cada vez mais a atenção de formuladores de políticas públicas, sendo que um total de 25 países mais a Comissão Europeia anunciaram planos estratégicos que incluem o hidrogênio renovável como fonte de energia limpa. Derivado desta visão estratégica, vários destes países iniciaram a introdução de esquemas de apoio financeiro para o desenvolvimento desta indústria nascente. Neste novo contexto, a IEA estima, para o período de 2022-2027, a construção de 50 GW de capacidade de geração instalada de fontes renováveis dedicados exclusivamente à produção de H2V, estimativa que, na avaliação do GESEL, possivelmente será superada dada a dinâmica deste novo mercado.

Por outro lado, de acordo com o relatório World Energy Transition Outlook, da International Renewable Energy Agency (IRENA), que orienta e direciona os formuladores de políticas públicas energéticas para manter a temperatura média global em 1,5°C até 2050, a produção de hidrogênio e de seus derivados será responsável por 12% do uso final de energia até 2050 e, junto à eletricidade, representará 63% do consumo final de energia no mundo no mesmo ano.

Todavia, a implantação e o desenvolvimento do H2V através dos mercados nacionais, regionais e internacionais dependerão do estabelecimento e da ampla aceitação de sistemas de certificação e rastreamento da sua produção. Atualmente, não há um esquema de certificação internacional qualificado e consolidado, apesar de algumas certificações já existirem. O alinhamento entre padrões, critérios, metodologia de certificação e limites máximos de carbono será essencial para evitar a fragmentação do mercado, tornando-se assim uma prioridade.

Há assim, a necessidade de uma regulamentação com códigos e normas que permitam garantir a origem do H2V de forma transparente e simplificada aos compradores. Observa-se que as certificações podem dar sinalizações favoráveis a investimentos de longo prazo e prover a confiança necessária às credenciais de “baixo carbono” ou “verde” de um produto, além de estimular novos investimentos em energia renovável e infraestrutura, como linhas de transmissão, terminais portuários, dutos e armazenamento. Em suma, um novo mundo produtivo depende de padrões de certificação.

Os sistemas de rastreamento proporcionados pela certificação são fundamentais para monitorar as peculiaridades em toda a cadeia de valor do hidrogênio, sendo essencial para os negócios e as indústrias expostas à taxação ou precificação do carbono. Por isso, a certificação integrada a um marco regulatório é necessária para atrair investimentos, proporcionar a confiança do mercado e atender aos investidores, produtores, armazenadores, transportadores e consumidores de hidrogênio.

De acordo com o relatório Creating a Global Hydrogen Market: Certification to enable trade, publicado pela IRENA em janeiro de 2023, os esquemas de certificação podem ser voluntários ou mandatórios. O número de iniciativas para criar um mercado de certificação de hidrogênio aumentou de forma expressiva nos últimos cinco anos. Dentre as iniciativas, destacam-se (i) CertifHy, na União Europeia, (ii) TÜV SÜD, na Alemanha, (iii) Aichi Prefecture, no Japão, (iv) Smart Energy Council, na Austrália, e (v) China Hydrogen Alliance, na China.

No Brasil, segundo a McKinsey & Company, é possível mapear três caminhos associados à economia verde em que o país pode assumir um papel de liderança global: (i) energia renovável, (ii) energia e materiais com base em biomassa; e (iii) mercados de carbono.  O hidrogênio, sozinho, poderá representar um mercado de US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões até 2040. Do potencial total de US$ 20 bilhões, cerca de US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões seria proveniente do mercado interno e US$ 4 bilhões a US$ 6 bilhões de exportações de derivados de H2V para Europa e Estados Unidos.

Vale ressaltar que o Brasil possui um grande potencial para a produção do H2V, tendo em vista o seu protagonismo de liderança internacional na geração de energia renovável competitiva. Em 2022, o Brasil, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do total da geração de energia elétrica, 92% foi de fontes renováveis. E segundo a EPE o Brasil possui ainda cerca de 1300 GW de potencial de energias eólica e solar.

Expressão deste potencial, a White Martins, responsável por instalar a primeira planta capaz de produzir H2V em larga escala na América do Sul, localizada em Pernambuco, cumpriu todas as etapas para também ser a primeira empresa do país a produzir H2V com certificação. A companhia contratou a certificadora alemã TÜV Rheinland, referência mundial no setor, e, após um processo rigoroso de auditoria, recebeu o selo “Green hydrogen certification”. A planta pode utilizar até 1,6 MW de energia solar e produzir até 156 toneladas de H2V por ano.

Neste contexto, o Brasil irá liderar um grupo de trabalho do Comitê Internacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (CIGRE) para  os estudos sobre a certificação da produção de H2V. Além disso, o Brasil conta com uma certificação de hidrogênio de baixo carbono, cujo lançamento pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) ocorreu em dezembro de 2022.

Os objetivos da CCEE ao criar um esquema de certificação estão associados à crescente demanda de projetos-piloto para fabricação do hidrogênio no Brasil e assim reforçar a confiança dos investidores. Além disso, a versão inicial dessa certificação possui outros benefícios, tais quais (i) agregar valor ao produto por possibilitar a distinção do teor de carbono do hidrogênio comercializado, (ii) viabilizar novos modelos de negócio em outros setores da indústria, como fertilizantes, aço, cimentícia, alimentícia, transporte e aquecimento, (iii) fomentar o mercado nacional de hidrogênio, cumprindo os requisitos e as diretrizes regulatórias em discussão no Brasil e a nível internacional, e (iv) dar transparência e permitir que os consumidores finais de H2 conheçam a origem do produto, com informações sobre a pegada de carbono.

A título de conclusão, verifica-se que a certificação do hidrogênio se torna essencial para a promoção de uma economia global direcionada à descarbonização e ao cumprimento de metas responsáveis de Environmental, Social and Governance (ESG). No entanto, a criação de um sistema de rastreamento ancorado em padrões internacionais de produção de hidrogênio exigirá esforços conjuntos de governos, indústrias, organizações da sociedade civil e órgãos técnicos de base científica. Dada a liderança do Brasil derivada de sua matriz elétrica com predominância de fontes renováveis, a iniciativa da CCEE favorece a posição no debate internacional contribuindo para estabelecer critérios aderentes ao contexto nacional que sejam eficientes, transparentes e favoráveis ao aproveitamento de oportunidades a partir de uma ampliação do mercado nacional e internacional de H2V e de hidrogênio de baixo carbono.

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