O desenvolvimento da economia do hidrogênio e oportunidades industriais no Brasil

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Autores:
Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).
Bruno Elizeu- Pesquisador Júnior do GESEL.

No âmbito do processo de transição energética, a capacidade de inovação industrial em um país é um pilar fundamental para o maior ganho de competitividade do setor e para a promoção do desenvolvimento econômico sustentável. Neste sentido, o hidrogênio verde (H2V), produzido a partir de fontes renováveis, se apresenta como um exemplo relevante de vetor energético limpo e com alto potencial de elevação da competitividade da indústria nacional e de aumento do comércio exterior, foco analítico do presente artigo.

Com o objetivo de limitar o aquecimento global até 2050 a cerca de 1,5°C, está em curso um esforço global em direção às energias renováveis e a materiais sustentáveis. Além disso, segundo a Hydrogen Council, até 2050, é previsto que o H2 de baixo carbono poderá representar 22% da demanda global de energia, o que corresponde a 660 milhões de toneladas do produto, criando um mercado anual e global estimado em US$ 3 trilhões, valor impressionante.

China, Europa e América do Norte devem ser os principais consumidores no mundo, enquanto Austrália, Brasil e Oriente Médio tendem a se tornar grandes produtores e importantes exportadores. Assim, o H2 deve atrair um grande fluxo de investimentos em países bem-posicionados para o aproveitamento de oportunidades econômicas nesse novo mercado.

Destaca-se que a economia do H2V requer o desenvolvimento de uma nova cadeia produtiva completa, na lógica conceitual de indústria nascente, incluindo o desenvolvimento de tecnologias de produção, infraestruturas de transporte, armazenamento e uso final. E dado que o H2V tem como insumo básico a energia elétrica verde, haverá um forte estímulo e incremento da expansão da capacidade de geração de energia eólica e solar. Em paralelo, são necessários investimentos em educação e qualificação de profissionais para a operação desta nova indústria e para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias.

Neste contexto, a indústria nascente do H2 abre oportunidades para a economia do Brasil, considerando a alta disponibilidade de recursos para sua produção no país, com o elevado potencial de energia renovável, reservas de gás natural e biomassa, a ser direcionado para utilização no mercado industrial interno e para exportação.

Contudo, um vetor que merece atenção das políticas públicas do Brasil é a capacidade de desenvolvimento de inovações tecnológicas. Este é um grande desafio. De acordo com o Global Inovation Index 2022, ranking das capacidades de inovação e resultados das economias mundiais, o Brasil ocupa a 54ª posição entre as 132 economias analisadas. O índice publicado pela World Intellectual Property Organization (WIPO) mede a inovação com base em critérios que incluem instituições, capital humano e pesquisa, infraestrutura, crédito, investimento, vínculos, criação, absorção e difusão do conhecimento e resultados criativos. Em 2022, seu pior indicador consistiu no critério “instituições”, que considera os ambientes político, regulatório e de negócios para a promoção da inovação no Brasil.

Observa-se que o uso final do H2V no mercado interno brasileiro tem grande potencial nos setores de fertilizantes, químico, siderurgia, transporte, dentre outros. Já no âmbito do mercado externo, além do potencial de exportar esse insumo energético disruptivo, vale ressaltar a vantagem competitiva futura que as empresas brasileiras podem obter, uma vez que existe uma tendência mundial de implementação de mecanismos de taxação de carbono. Desta forma, o H2V pode auxiliar a competitividade internacional do Brasil a partir da exportação de produtos não poluentes, como, por exemplo, aço verde e cimento verde.

De acordo com o estudo da OCDE Innovation and Industrial Politicies for Green Hydrogen, o estabelecimento de trajetórias claras de preço do carbono podem estimular investimentos. Assim, além de tornar o H2V mais competitivo do que o H2 cinza, essa medida poderia fornecer receita para financiar o apoio de P&D. Os projetos de demonstração em grande escala e o acesso a facilidades de financiamento também são necessários para reduzir custos, por meio de economias de escala, economias de escopo e “learning-by-doing”. Ademais, a possibilidade de cooperação e a coordenação entre os países, notadamente entre o Brasil e Alemanha, são imprescindíveis para favorecer a difusão do conhecimento.

Ressalta-se, ainda, que a indústria de petróleo e gás (P&G) possui um papel relevante na transição para uma economia de baixo carbono. Segundo o estudo “Hidrogênio de baixo carbono: Oportunidades para o protagonismo brasileiro na produção de energia limpa”, elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), este setor pode carrear o desenvolvimento de tecnologias de captura de carbono. Além disso, há anos, as companhias de P&G são as maiores produtoras e consumidoras de H2 cinza, assim como investidoras em pesquisa, desenvolvimento e inovação a projetos relacionados à segurança, eficácia e viabilidade de sua aplicação como vetor energético. Assim, os recursos e as vocações do Brasil, apontados no estudo do BNDES, devem buscar maximizar os benefícios econômicos, energéticos e do desenvolvimento tecnológico.

A título de conclusão, verifica-se que o Brasil é um candidato promissor a implementar uma economia do H2V devido aos seus recursos naturais abundantes e seu parque industrial que precisa ser convertido para economia verde. Deste modo, políticas públicas de incentivo a essa indústria e mercado nascente precisam ser implementadas a fim de impulsionar a expansão inicial necessária para o H2V se beneficiar dos ganhos de escala que o tornarão economicamente atraente. As políticas industriais e de inovação, por sua vez, devem ampliar a competitividade da indústria brasileira, o desenvolvimento econômico e a geração de empregos. Por fim, a coordenação das estratégias dos diferentes stakeholders, a cooperação internacional, a confiança na estrutura política de longo prazo, assim como simplicidade, transparência e estabilidade no quadro regulatório e no ambiente de negócios, são pontos fundamentais para o desenvolvimento da cadeia de valor do H2V nos próximos anos no país. Trata-se de uma oportunidade ímpar.

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