Inovação na cadeia de valor do hidrogênio

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Autores: Nivalde de Castro – Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal – Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).
Vinicius José da Cost
a -Pesquisador Júnior do GESEL.

O cenário atual do setor energético mundial é marcado por um processo de transição caracterizado pela procura por fontes de energia que garantam, simultaneamente, a descarbonização e a segurança energética.  

Neste contexto dinâmico, o hidrogênio renovável (H2R), aqui demonizado por verde, posiciona-se como um vetor energético promissor na busca por esses dois objetivos estratégicos. Este movimento é capitaneado pelos países desenvolvidos que estão articulando a transição energética com planos e programas de incentivos à recuperação econômica verde com foco central nos setores industriais, através de diversos tipos e magnitudes de incentivos. Desse modo, o cenário é de fluxo cada vez maior de investimentos ao longo das cadeias de valor, para o desenvolvimento de projetos e novas tecnologias disruptivas.  

A Alemanha é um bom exemplo. O governo aprovou, inicialmente, € 900 milhões em financiamento para o H2Global. Trata-se de uma iniciativa para firmar contratos de dez anos para importação de hidrogênio verde via leilões, combinados com contratos equivalentes de compra, através de um agente intermediário público que banca, via subsídios, a diferença entre os contratos de longo prazo (importação) e os de curto prazo com os compradores europeus. 

Na União Europeia, destaca-se o Plano REPowerEU que pretende importar H2R com financiamento público de projetos em outros países. Já nos EUA, o Inflation Reduction Act, estabelecido em 2022, oferece diversos incentivos fiscais e subsídios para conceder apoio ao desenvolvimento de tecnologias para o H2R. Assim, diante do papel estratégico que a mercado do H2R passa a apresentar no cenário de economia verde e desenvolvimento sustentável, o presente artigo busca analisar a inovação na cadeia produtiva do hidrogênio para o desenvolvimento de seu mercado. 

Os estágios da cadeia produtiva do H2 são produção, armazenamento, transporte e uso final. A produção do H2 pode ser realizada a partir de uma ampla gama de rotas, que varia de acordo com a energia e a tecnologia utilizada durante o processo. O H2 pode ser extraído de combustíveis fósseis e biomassa, da água ou de uma mistura de ambos. De acordo com a International Energy Agency (IEA), no relatório The Future of Hydrogen, os métodos de produção de H2 podem determinar o grau de pegada de CO2, o custo-benefício, a eficácia e a viabilidade de determinada rota tecnológica. 

Por exemplo, segundo o Painel de Dados do Potencial Técnico de Produção do Hidrogênio, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil apresenta um enorme potencial para a produção de H2 a partir de diferentes fontes energéticas renováveis. Nesta direção, destaca-se a fonte eólica, estimando 6,5 milhões de tH2V/ano de potencial técnico para a produção onshore de hidrogênio. Em seguida, a biomassa apresenta um potencial de 4,3 milhões tH2V/ano, precedendo a fonte hidroelétrica com 4,1 milhões de tH2V/ano. Por fim, verifica-se que a fonte solar fotovoltaica com um potencial de 2,2 tH2V/ano. 

Atualmente, a nível global, o gás natural é a principal fonte de produção de H2, principalmente devido a sua maior maturidade de escala econômica e daí menor custo. No entanto, frente ao novo cenário energético, o H2 pode ser produzido através de diversas tecnologias, com destaque para a rota da eletrólise da água, do hidrogênio verde (H2V), que utiliza como fonte as energias renováveis em um processo produtivo que não emite carbono, sendo considerado o hidrogênio mais puro em relação à não emissão de CO2. Deste modo, como a prioridade da transição energética é a descarbonização dos processos produtivos e dos padrões de consumo, o H2V se coloca como prioridade estratégica de diferentes países. 

De acordo com estudo Hydrogen patents for a clean energy future, da IEA, o crescimento do patenteamento de tecnologias para a produção de H2V, desde 2001, tem sido impulsionado principalmente pelo rápido aumento da inovação em eletrólise. No ano de 2021 foi registrada a maior entrada em operação de capacidade de eletrolisadores da história, alcançando aproximadamente 210 MW. Indicando assim, o início de uma nova e promissora etapa de desenvolvimento deste tipo de equipamento para produção de H2V. 

Entretanto, atualmente, o fator custo do H2V é ainda um grande desafio para a difusão desta tecnologia no mercado frente à competitividade do H2 cinza. A produção do H2V é classificada como uma indústria eletrointensiva, na qual o custo da eletricidade renovável corresponde a cerca de 70% do custo final do H2V, segundo o relatório Global Hydrogen Review 2022, da IEA. No entanto, as projeções são claras e firmes em relação à futura redução da curva de custo do H2V determinada por inovações nas próprias tecnologias e principalmente por economias de escala nos processos de fabricação. 

Diante desse cenário, os países da América Latina podem se tornar competidores agressivos neste novo mercado mundial, tendo em vista o potencial e o baixo custo de produção de energia renovável, dentre os quais se destacam acima de tudo o Brasil, pela sua dimensão continental, Chile, Colômbia e Uruguai. 

No que se refere à infraestrutura de armazenamento de hidrogênio, ela tende a se tornar um componente-chave da cadeia produtiva seja na forma centralizada e descentralizada em função do esperado aumento dos níveis de produção. Os investimentos e desenvolvimentos tecnológicos no segmento do armazenamento de H2V são decisivos para acelerar o processo de descarbonização, permitindo maior integração das fontes renováveis, provendo maior segurança ao sistema elétrico e reduzindo a volatilidade de preços.  

Atualmente, o H2 é armazenado, em estado liquefeito ou gasoso, em tanques para aplicações móveis e estacionárias de pequena escala. Porém, prevê-se que o desenvolvimento das cadeias de valor do H2 irá exigir a criação de sistemas de armazenamento de grande escala no futuro, merecendo destaque o armazenamento geológico, com quatro tipos de armazenamento subterrâneo: cavernas de sal, campos de gás esgotados, aquíferos e cavernas revestidas de rocha dura.  

Assim tanto o armazenamento, como o transporte e a distribuição do H2R vem recebendo muita atenção e prioridade de projetos de P&D que buscam definir inovações tecnológicas. As propriedades físicas e químicas do H2, como a sua alta inflamabilidade e a facilidade de escapar do confinamento, tornam a atividade desafiadora em larga escala. Atualmente, o H2 é utilizado sem a necessidade de investimentos significativos em infraestrutura de transporte, prevalecendo a produção próxima aos centros de consumo. No entanto, tendo em vista o cenário global de transição energética e descarbonização, com a expectativa de aumento da produção e do mercado de exportação do H2V, serão necessárias inovações tecnológicas que garantam segurança para o seu transporte. 

Neste contexto, para descarbonizar totalmente a economia mundial, o H2V está muito bem-posicionado para desempenhar esse papel. De acordo com o Hydrogen Economy Outlook, realizado pela BloombergNEF, o H2V pode permitir a transição de combustíveis fósseis para o H2V em muitas aplicações. Porém, a credibilidade desse novo insumo energético limpo dependerá da implementação de instrumentos de rastreamento que certifiquem a sua origem. Desta forma, será necessário o desenvolvimento de uma padronização para os diferentes tipos de H2R ao longo da cadeia de abastecimento, constituindo-se um fator essencial para a própria formação de um mercado. 

Diante desse cenário, a principal diferença observada atualmente no patenteamento de inovações voltadas para o uso final em relação aos anos anteriores é a resposta dos fornecedores de equipamentos ao interesse do consumidor final em utilizar H2 de baixa emissão de CO2, com destaque prioritário para o H2V, o hidrogênio premium.   

A título de conclusão, verifica-se que programas de promoção do H2R com destaque para o H2V se tornam cada vez mais presentes no mundo, diante das necessidades de acelerar o processo de descarbonização, reduzir a dependência energética de importação de combustíveis fósseis e garantir a competitividade da economia nacional. Assim, nos últimos anos, é possível observar um avanço no fomento a novos projetos e à inovação na cadeia de valor do H2V, incluindo as etapas de produção, armazenamento, transporte e uso final. 

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