COP 27: Transição Energética e o Hidrogênio Verde no Brasil

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A 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (“COP 27”) foi realizada entre os dias 6 e 20 de novembro de 2022 no Egito, e teve como objetivo central firmar acordos e determinar metas para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius até o final do século, conforme estabelecido no Acordo de Paris de 2015. Neste cenário, cada vez mais crítico, o processo de transição energética é essencial para que os objetivos firmados sejam alcançados e, para tanto, impõem transformações em diversas cadeias produtivas, que convergem à ampliação da utilização de fontes renováveis, fundamental para uma economia de baixo carbono no médio e longo prazo.

As ações de promoção de energias renováveis, eficiência energética e eletrificação de setores altamente poluidores se destacam na pauta energética. Assim, o objetivo central deste artigo consiste apresentar um enquadramento analítico geral sobre as principais perspectivas para o hidrogênio verde (H2V) no Brasil após a realização da COP 27.

Primeiramente, vale ressaltar que o ano de 2022 foi marcado pela crise energética na Europa após o agravamento do conflito entre Rússia e Ucrânia. Portanto, a segurança e a diversificação do abastecimento de energia se tornam pilares estratégicos e influenciaram fortemente a COP 27. No curto prazo, verificou-se a ampliação da busca por soluções emergenciais e poluentes, como a reutilização de usinas a carvão. No entanto, no médio e longo prazo, tal contexto geopolítico cria condições favoráveis a uma maior urgência na promoção de tecnologias substitutas aos combustíveis fósseis, como é o caso do H2V. Pode-se entender assim, que a Guerra da Ucrânia, que expôs a prioridade da segurança energética, é um catalizador e acelerador do processo de transição para uma economia verde.

O Brasil parte de uma posição ímpar, em termos mundiais, por apresentar cerca de 83% de participação de fontes renováveis em sua matriz elétrica. Assim, o H2V, que é produzido exclusivamente a partir de fontes renováveis, se consolida no Brasil como uma solução central para a descarbonização de usos finais. Além disso, o país apresenta forte competitividade de custos na geração de energia elétrica e ampla rede de transmissão, representando um cenário positivo para a difusão do H2V. No entanto, o desenvolvimento do quadro regulatório, de políticas públicas e de linhas de financiamento para o hidrogênio se colocam como pontos importantes e necessários para uma difusão desta nova cadeia produtiva.

Em função dos resultados do processo eleitoral no país, merece ser destacada a presença na COP 27 do futuro presidente, que afirmou a importância de se incentivar as fontes renováveis como energia eólica, solar, H2V e biocombustíveis como estratégicos para conjugar, de forma equilibrada, o desenvolvimento e meio ambiente.

No período da campanha eleitoral, foi enfatizada uma mudança na estratégia de ação da Petrobras, apontando que esta deveria voltar a investir e se consolidar como uma empresa integrada de energia, com foco na transição energética. E nesta estratégia, o BNDES voltaria a ter um papel importante como instrumento de financiamento e impulsionador para o desenvolvimento econômico no contexto da transição energética.

Nesta direção, a própria composição do grupo de transição do novo governo na área de energia e mineração indica claramente posição de priorizar políticas públicas focadas nas oportunidades que a transição energética e a eficiência ambiental oferecem para o Brasil, baseada no fato de ser uma país de dimensão continental, tropical com abundância de água, sol, vento e ainda deter reservas de gás e petróleo entre as maiores do mundo.

O desenvolvimento de inovações tecnológicas de baixo carbono, como o hidrogênio, envolve, obrigatoriamente uma densa e intensa cooperação internacional, acopladas à oferta de linhas de financiamentos públicos e privados, de quadros regulatórios transparentes e consistentes para atração de investimento privado. Diante disso, na COP 27, novos mecanismos de mercado para atração do capital privado na transição energética em países em desenvolvimento foram destacados, como facilidades de financiamento e crédito de carbono.

Especificamente nas questões de financiamento, variável crucial e central da equação da transição energética, em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar um total de US$ 100 bilhões em financiamento climático internacional por ano, de 2020 a 2025, para ajudar os países mais vulneráveis em seus esforços de mitigação e adaptação. No entanto, o cumprimento do financiamento estabelecido ainda não foi verificado. Na conferência, numa visão e posição bem consistente, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defendeu que países do norte global, com alta capacidade de mobilização de capital, e do sul global, abundantes em recursos naturais, formem parcerias para acelerar a transição energética para fontes renováveis.

Os EUA, por sua vez, anunciaram um novo mecanismo de mercado para acelerar a transição energética nos países em desenvolvimento, denominado Energy Transition Accelerator. A iniciativa, ainda em processo de formatação, é do Departamento de Estado americano, em parceria com a Fundação Rockefeller e o Bezos Earth Fund, e possui a lógica de desincentivar o uso de combustíveis fósseis e estimular o uso de energias renováveis. Assim, países ou regiões que reduzirem suas emissões produzidas pela queima de combustíveis fósseis e passem a gerar energia por fontes renováveis, potencial fortemente observado em países em desenvolvimento, acumulariam créditos de carbono. Esses créditos seriam comprados por empresas para compensar suas emissões.

O Grupo Banco Mundial anunciou, no Dia da Energia na COP 27, a criação da Hydrogen for Development Partnership (H4D), uma nova iniciativa global para impulsionar a implantação de hidrogênio de baixo carbono em países em desenvolvimento. A parceria promoverá a construção de capacidade e soluções regulatórias, modelos de negócios e tecnologias para a implantação do hidrogênio de baixo carbono nestes países.

Já o BNDES divulgou a sua iniciativa denominada BNDES net zero e firmou o compromisso de ser neutro em carbono até 2050, sendo a primeira instituição a realizar esse tipo de anúncio entre os bancos de desenvolvimento internacionais. Observa-se que a estruturação de projetos de H2V para consumo doméstico e internacional está incluída dentre as ações do setor de energia. Também estão previstas a definição das metas de neutralidade para as carteiras de crédito direto, indireto e renda variável, metas de engajamento para acelerar a transição dos clientes para a neutralidade em carbono e a incorporação da contabilização de carbono nos processos de aprovação de apoio a novos projetos.

Em suma, reitera-se que a crise energética na Europa, derivada da Guerra da Ucrânia, atua como um elemento catalizador da transição energética, como foi reforçado na COP 27. No entanto, este processo ocorre diante de riscos para a segurança de suprimento do continente europeu e dos impactos econômicos relacionados ao aumento do custo da energia, à inflação acelerada, à redução do crescimento econômico e à perda da competitividade industrial. Dessa forma, a pressão para a substituição total dos recursos não renováveis nas cadeias produtivas somente será possível com a expansão do H2V.

Abrem-se, assim, oportunidades para o Brasil expandir a sua produção de H2V e, futuramente, exportar este insumo, considerando ganhos de escala, a ampliação de know-how, menores custos de produção de energia e facilidades logísticas, como portos. Ao mesmo tempo, já em prática, a primeira etapa da produção do H2V será direcionada para o consumo nacional. Portanto, o país deve iniciar um novo ciclo de investimentos, focado em bens intermediários (verdes) produzidos a partir de fontes renováveis e direcionados ao mercado interno e à exportação. O Brasil poderá, então, se posicionar estrategicamente, garantir competitividade internacional e superar potenciais barreiras da taxação de produtos com elevada pegada de carbono. E para tanto, firmar acordos de cooperação internacionais como países desenvolvidos é fundamental.

Autores:

Nivalde José de Castro – Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).

Luiza Masseno Leal- Pesquisadora do GESEL-UFRJ e da Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT-RESEL).

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