Cooperação internacional e financiamento para projetos de infraestrutura de hidrogênio

0 minutos de leitura

Autores:
Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).
Vinícius José da Costa- Pesquisador Júnior do GESEL.

Diante do contexto de transição do paradigma energético – o qual prevaleceu até fins do Século XX -, o hidrogênio (H2) renovável, com destaque para o hidrogênio verde (H2V), emerge como uma opção energética promissora e estratégica. Na Europa, o desenvolvimento do mercado e das aplicações do H2V são alvo de diferentes iniciativas. Como exemplo, o Plano REPowerEU objetiva implementar ações para reduzir rapidamente a dependência dos combustíveis fósseis russos, árabes e americanos através da estratégia de acelerar a transição para fontes de energia renovável. No âmbito do H2 renovável, o Plano estabeleceu a meta de até 2030 atingir a produção doméstica de 10 milhões de toneladas e a importação de mais 10 milhões de toneladas.

No entanto, vale ressaltar que o desenvolvimento da economia do H2V impacta as diversas etapas de sua cadeia de valor: produção, transporte, armazenamento e distribuição. As etapas de infraestrutura de transporte e de distribuição, por sua vez, requerem volumosos investimentos e estabelecimento de parcerias e cooperações internacionais, foco específico da análise deste artigo.

No texto de discussão intitulado “Panorama do Hidrogênio no Brasil”, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2022, indica-se que no longo prazo a construção de rede de dutos oferece os meios mais eficientes em termos de custos do H2 com distribuição local, criando condições para atender a demanda potencial. Já no curto e médio prazo, a configuração mais competitiva envolve a instalação da produção de H2 próxima ou no próprio local de consumo. No caso de distâncias maiores, a opção seria o transporte marítimo a partir de derivados do H2, foco de avaliação e testes em projetos pilotos, diante do seu alto potencial.

Deve-se ressaltar, ainda, que o reaproveitamento da infraestrutura de gás natural para o transporte e a distribuição de H2 é um ponto de destaque nos planos estratégicos de diversos países, uma vez que muitos desses sistemas já estão em operação e possuem uma extensa rede em diferentes regiões do mundo.

Neste contexto, inúmeros países já realizam estudos, projetos e cooperações internacionais para o alcance de soluções técnica e economicamente viáveis para as etapas de transporte e de distribuição do H2V. Tal fato reafirma as expectativas de aumento da produção e do mercado global deste vetor energético, as quais tornam imprescindíveis a construção das conexões entre os centros de produção e de demanda do H2.

O Quadro 1 apresenta as metas de expansão ou reaproveitamento da infraestrutura de dutos para o transporte e a distribuição de H2 em alguns mercados da União Europeia.

Quadro 1: Planos e metas anunciados para o transporte de hidrogênio em alguns países selecionados da União Europeia

PaísPlanos e Metas
Bélgica2026: Desenvolvimento de 100 a 160 km de dutos adicionais de H2 (novos ou reaproveitados), explorando ao máximo a infraestrutura existente. 2028: Interconexões com pelo menos Alemanha, França e Países Baixos. 2030: Estabelecimento de uma rede de dutos de H2 com acesso aberto, conectando os portos às zonas industriais e aos países vizinhos.
DinamarcaA dinamarquesa Energinet e a holandesa Gasunie estão explorando o estabelecimento de uma interconexão transfronteiriça de H2 puro. A Energinet também está investigando a possibilidade de uma rota para uma rede dinamarquesa de H2.
FrançaPlanejamento de uma construção progressiva, inicialmente dentro de ecossistemas locais (produção próxima ao consumo), depois em vales de H2 (interligando ecossistemas locais por meio de uma rede regional), integrando infraestruturas de armazenamento de H2 e, por fim, interligando a rede francesa com os países vizinhos.
Alemanha2027: Entrada em operação de sub-redes para atender a demanda local. 2032: A rede de H2 consistirá em aproximadamente 67% de dutos reaproveitados.
Itália2032: Desenvolvimento da rede de H2 (70% reaproveitada) para transportar a produção do norte da África e do sul da Itália internamente e para os países vizinhos. A primeira parcela da rede italiana conectará o país àqueles com maior demanda, com destaque para a Alemanha.
HolandaProgressivamente, os clusters industriais serão conectados por dutos entre si, a outros países e a locais de armazenamento e importação de H2. 85% da infraestrutura será desenvolvida pela reutilização de dutos de gás natural existentes. Toda a rede estará em operação até 2030.
Fonte: ACER (2023).

Diante disso, o financiamento e a cooperação internacional se apresentam como questões fundamentais para impulsionar o desenvolvimento dos projetos de transporte e distribuição de H2. Como destacado no artigo “O papel do financiamento nos projetos de hidrogênio verde na União Europeia: Um exemplo a ser seguido”, publicado pela equipe de pesquisadores do GESEL, assim como acontece com outras indústrias emergentes, o investimento associado ao H2V, como os aportes em ativos físicos de transporte e distribuição, obrigam a gestão de maior risco quando comparado com ativos maduros. Deste modo, aponta-se que, na fase inicial do desenvolvimento do H2V, incentivos, regulações e direcionamentos do setor público são uma fonte crítica para o financiamento dos projetos.

Em “Green Hydrogen Contracting Guidance – Financing green hydrogen projects”, publicado pela Green Hydrogen Organisation, a diversidade de agentes que financiam os projetos de H2V é apresentada, com destaque para o papel de governos, organizações internacionais, agências de crédito à exportação e instituições financeiras multilaterais e de desenvolvimento. Além disso, espera-se que as instituições financeiras de desenvolvimento desempenhem uma função fundamental na mitigação dos riscos financeiros nos investimentos em projetos em economias emergentes. Globalmente, os governos comprometeram mais de US$ 37 bilhões em financiamento público para o desenvolvimento do H2V, enquanto o setor privado anunciou um investimento adicional de US$ 300 bilhões.

No caso da União Europeia, existe uma quantidade expressiva de instrumentos de financiamento. Em 2022, a Comissão Europeia instituiu o Banco de Hidrogênio, com € 3 bilhões para fornecer apoio a projetos de H2V. Outros exemplos são os € 40 milhões em financiamento de subsídios comprometidos pelo Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ) na cooperação para a promoção da economia de H2V da África do Sul ou o compromisso separado de € 200 milhões em financiamento de empréstimo concessionário pelo banco de desenvolvimento alemão KfW para projetos de H2V nos setores público e privado do país.

Deste modo, além de mecanismos de financiamento, a colaboração internacional entre países e organizações permite o compartilhamento de recursos e conhecimentos, fundamentais para o avanço do uso do H2V como fonte de energia e para o consequente alcance das metas de médio e longo prazo referentes à descarbonização da matriz energética.

Como exemplo de projetos que integram países da União Europeia, destaca-se o acordo entre os Operadores de Sistema de Transmissão da Espanha (Enagás), da França (GRTgaz e Teréga) e de Portugal (REN), com a iniciativa Green2TSO, que apresenta o objetivo de transformar a rede de gás em uma rede de H2 por meio da inovação aberta. Já o projeto batizado como H2Med foca no desenvolvimento de interligações energéticas entre os três países europeus, através da criação de um corredor de energia verde que os conectará à Rede de Energia da União Europeia. Mais recentemente, a Alemanha se uniu ao projeto, cuja operacionalização está estimada apenas para 2030.

Além disso, a iniciativa European Hydrogen Backbone (EHB), composta por um grupo de 32 operadores de infraestrutura energética, busca acelerar a implementação de infraestrutura de H2 com base em dutos existentes e novos, tendo como finalidade a promoção do desenvolvimento de um mercado competitivo pan-europeu de hidrogênio renovável e de baixo carbono.

Para o contexto brasileiro, o desenvolvimento de uma rede de transporte e distribuição é fundamental, considerando o potencial do país na produção e exportação deste gás. O Brasil possui vantagens competitivas importantes para a produção e demanda de H2V, além de apresentar uma localização estratégica, próxima a importantes mercados consumidores, como a Europa.

Deste modo, a implementação de uma rede de transporte e distribuição de H2 no Brasil que seja capaz de conectar, de forma eficiente, os locais de produção aos principais centros consumidores ou de escoamento pode contribuir ao desenvolvimento econômico do país e a sua inserção nesse novo mercado. Neste contexto, destaca-se a possibilidade de adaptar parte da infraestrutura de transporte de gás natural já existente no país para acomodar o H2V.

A implementação de medidas regulatórias e de políticas públicas podem reduzir os custos de investimento em uma nova rede. Além disso, investimentos em projetos inovadores a partir do Programa de P&D da ANEEL poderá fornecer subsídios relacionados a análises técnicas, econômico-financeiras e regulatórias acerca da temática.

A título de conclusão, verifica-se que o financiamento e a cooperação internacional são aspectos essenciais para a promoção do desenvolvimento de projetos relacionados ao transporte e à distribuição de H2. Por isso, vários países, com destaque para o continente europeu, já estão cooperando em projetos e estudos para alcançar soluções viáveis em termos técnicos e econômicos. Além disso, destaca-se que a criação de uma rede de transporte e distribuição de H2 no Brasil pode impulsionar o desenvolvimento econômico do país e a sua entrada no mercado de energia limpa, tendo em vista o seu potencial nesse novo mercado.

Neste sentido, destaca-se a importância de medidas regulatórias e de políticas públicas que incentivem investimentos para a construção dessa nova rede. Ademais, investimentos em projetos inovadores através do Programa de P&D da ANEEL podem fornecer informações importantes sobre a viabilidade técnica, econômico-financeira e regulatória dos projetos.

Gostou deste conteúdo? Deixe sua opinião: