Bases do desenvolvimento da economia do hidrogênio sustentável na União Europeia e no Brasil

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Autores:

Nivalde de Castro- Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).

Luiza Masseno Leal Pesquisadora do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICT) Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL).

Bruno Elizeu- Pesquisador Júnior do GESEL.


A centralidade do desenvolvimento da economia do hidrogênio (H2) no contexto da transição energética está diretamente relacionada, grosso modo, à busca pela redução da dependência energética dos combustíveis fósseis, à promoção da inovação e ao cumprimento das metas de descarbonização estabelecidas no Acordo de Paris, assinado em 2016, cujo principal objetivo é limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC. O Acordo representa um marco na mitigação das mudanças climáticas e na promoção da descarbonização dos sistemas energéticos, resultado das discussões da 21ª Conferência das Partes (COP).

Neste contexto, o H2 de baixo carbono, verde, se tornou prioridade na estratégia de energia e clima de diversos países, em especial dos países membros da União Europeia, por proporcionar:

  • Uma alternativa para setores de difícil redução das emissões de carbono (hard-to-abate sectors);
  • O acoplamento do setor de energia aos setores de indústria, transporte e aquecimento; e
  • O crescimento econômico sustentável através do fortalecimento de tecnologias e aplicações de H2V, ampliando a vantagem competitiva das economias, gerando renda e criando empregos.

Portanto, o H2V poderá não apenas contribuir para a descarbonização profunda da economia mundial, como também promover uma dinâmica competitiva ampla e descentralizada ao integrar diferentes países e segmentos industriais e de transporte.

Apesar da expectativa de redução de custos e maior competitividade econômica em algumas aplicações de H2V a partir do rápido aprendizado tecnológico e ganhos de escala, a exploração de todo o potencial do H2V requer uma ampla atuação de políticas públicas e planos e programas específicos. Contudo, a estrutura político-regulatória, aspectos econômicos e tecnológicos, a capacitação de recursos humanos e a estrutura de financiamento ainda estão em desenvolvimento.

Diante desse enquadramento, o presente artigo busca avaliar algumas das principais estratégias internacionais para o desenvolvimento da economia do H2V que se destacaram ao longo do ano de 2022. Nota-se que a definição de estratégias para o desenvolvimento do H2 é liderada tanto pela União Europeia como um todo, quanto por países específicos, como a Alemanha, o Reino Unido, a França, os Estados Unidos e a Australia. A análise aqui presente busca focar na região da União Europeia e, mais especificamente, no caso da Alemanha. Em seguida, analisa-se o delineamento das estratégias firmadas recentemente no Brasil.

Em julho de 2020, foi promulgada uma nova estratégia industrial para a Europa, denominada European Clean Hydrogen Alliance. A aliança apoia a implantação em larga escala de tecnologias de H2 limpo até 2030, reunindo toda a cadeia de valor e agentes envolvidos. A aliança faz parte dos esforços da UE para garantir a liderança industrial e acelerar a descarbonização da indústria de acordo com seus objetivos de combate às mudanças climáticas. No caso do hidrogênio, a estratégia é para criação de um ecossistema europeu de H2 a partir da pesquisa e inovação, a fim de ampliar a produção e a infraestrutura para uma dimensão internacional. Os principais motivadores identificados na estratégia foram:

  • O suporte ao processo de descarbonização da economia da UE, em linha com a meta de neutralidade climática para 2050 estabelecida no Pacto Ecológico Europeu; e
  • A ampliação da recuperação dos efeitos econômicos da COVID-19.

A UE divulgou, ainda, uma série de programas de financiamento que também auxilia no desenvolvimento da economia do H2, como: Recovery and Resilience Facility, Just Transition Mechanism (JTM), Horizon Europe, Innovation Fund e Connecting Europe Facility.

No entanto, a partir da publicação do plano REPowerEU, em maio de 2022, a Comissão Europeia concluiu a implementação da estratégia de H2, aumentando ainda mais suas ambições e objetivos relacionadas ao H2V, em função dos impactos da crise da Ucrânia e da necessidade estratégica de geopolítica para reduzir ao máximo a dependência aos combustíveis fósseis da Rússia.

No âmbito da Alemanha, o governo tem apoiado estudos sobre H2 desde a década de 1980, estabelecendo as bases do atual arcabouço avançado de pesquisa existente no país. Com isso, a Alemanha objetiva tornar-se um líder e exportador de tecnologias do H2, sobretudo verde. Atualmente, o país já possui uma parcela de 20% do mercado global de eletrolisadores, liderada pela Uhde, empresa subsidiária da Thyssenkrupp. E a Siemens Energy segue nesta mesma rota de investir nas tecnologias associadas aos eletrolisadores. Neste sentido, o histórico de financiamento à pesquisa e desenvolvimento na Alemanha e a sua expertise no que tange às tecnologias de eletrólise, por exemplo, colocam o país em posição estratégica em um mercado central a nível global.

Em 2020, a Alemanha anunciou oficialmente a sua estratégia nacional do hidrogênio, estabelecendo a visão de que o H2V é a única rota sustentável para a descarbonização do país. Por outro lado, busca-se a estruturação de cadeias produtivas em países com maior potencial para a produção de H2V, a fim de atender à necessidade alemã de importar cerca de 80% da demanda projetada para 2030. Assim, verifica-se a intensificação na cooperação internacional como meio de atender à demanda futura do país, considerando que a oferta nacional de H2 limpo produzido localmente não será suficiente. O Brasil faz parte deste cenário de parcerias internacionais, seja pelo seu potencial de produção de H2V, seja por deter o parque industrial mais consistente e diversificado da América Latina.

Diante da relevância da cooperação internacional para a estratégia alemã, duas iniciativas foram lançadas em 2021, com ênfase no estabelecimento de parcerias e projetos em países posicionados como potenciais exportadores de H2V: o Funding Guideline (2021–2024) e o H2Global. O primeiro tem como objetivo financiar projetos internacionais de H2V para promover o uso da tecnologia alemã no exterior e ainda desenvolver a cadeia de valor do hidrogênio.

O H2Global, por sua vez, tem como objetivo promover o mercado internacional de H2V e a sua importação através de leilões duplos, ou seja, contratos de compra de longo prazo no lado da oferta (10 anos) e contratos de venda de curto prazo no lado da demanda (1 ano). Destaca-se que a diferença entre os preços de oferta (produção e transporte) e de demanda será compensada por subsídios do governo alemão, em boa parte oriundo da aplicação das taxas de carbono.

Após o lançamento da estratégia nacional do H2, o governo alemão acelerou a oferta de financiamento em programas já existentes e da criação de novas linhas, sobretudo associadas à cooperação internacional e a investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Em síntese, o financiamento constitui um dos pilares da estratégia alemã do H2 e o financiamento público destaca-se como o principal motor do desenvolvimento de projetos-piloto que, focados no H2V, abordam todos os segmentos da cadeia de valor, bem como estabelecem a criação de hubs regionais e a demonstração de múltiplas tecnologias e soluções.

Estas ações do governo da Alemanha expressam com clareza a importância estratégica que o hidrogênio de baixo carbono representa no cenário de transição energética que foi acelerado pela redução das exportações de gás e petróleo russo no contexto da invasão da Ucrânia.

Frente ao horizonte de oportunidades que se abrem para o Brasil em razão do potencial de produção de H2V, em 2021, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou a Resolução n° 2/2021, que orientou a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a priorizarem a destinação de recursos de P&DI para alguns temas, entre os quais o hidrogênio. No mesmo ano, o Ministério de Minas e Energia (MME) formulou as diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2).

O PNH2 se propõe a definir um conjunto de ações que facilite o fomento conjunto de três pilares fundamentais para o sucesso do desenvolvimento de uma economia do hidrogênio: políticas públicas, tecnologia e mercado. O PNH2 indicou como princípios basilares:

  • A valorização do potencial nacional de recursos energéticos;
  • Ser abrangente, diante da diversidade de opções energéticas e tecnológicas;
  • Alinhar-se às metas de descarbonização;
  • A valorização e o incentivo ao desenvolvimento tecnológico nacional;
  • Almejar o desenvolvimento de um mercado competitivo;
  • Buscar sinergias e articulação com outros países; e
  • Reconhecer e estimular a contribuição da indústria nacional.

O esperado avanço na demanda mundial pelo H2V coloca o Brasil em destaque como um potencial supridor internacional. Nesta direção, o MME instaurou, em 14 de dezembro de 2022, a Consulta Pública nº 147/2022 para receber contribuições da sociedade ao Plano de Trabalho Trienal 2023-2025 do PNH2, o qual tem como objetivo orientar as ações do governo federal no desenvolvimento do setor de H2 nos próximos anos. A Consulta Pública busca receber contribuições acerca de ações para o fortalecimento das bases científico-tecnológicas e para a capacitação de recursos humanos, do planejamento energético, do arcabouço legal e regulatório-normativo, bem como da abertura e do crescimento do mercado e da competitividade. O prazo para o envio de contribuições se encerra em 31 de janeiro de 2023. Ademais, no dia 15 de dezembro, foi realizada a apresentação virtual do PNH2 e a divulgação de uma primeira iniciativa do já concretizada: o Painel de Dados sobre Hidrogênio, desenvolvido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Em suma, verifica-se que, no contexto internacional, cada país busca definir uma estratégia nacional específica que seja adequada e adaptada à sua realidade, aos seus interesses e a suas vantagens competitivas para o desenvolvimento da economia do hidrogênio. Para tanto, são considerados fatores como: a disponibilidade de matérias primas e recursos financeiros; a inserção nas cadeias globais e nacionais de valor; a capacitação de recursos humanos; e as externalidades econômicas e sociais.

Além disso, o estabelecimento de metas e objetivos integrados em estratégias nacionais de curto, médio e longo prazo constituem importantes sinalizadores e mobilizadores para a ampliação da legislação e da regulamentação, de investimentos público e privado, de pesquisa e desenvolvimento e da cooperação internacional. Os exemplos da União Europeia, em especial da Alemanha e do Brasil, aqui analisados de forma resumida, indicam a importância da atuação e articulação dos agentes públicos e privados envolvidos, com o objetivo de estabelecer as ações para o desenvolvimento da economia do hidrogênio.

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