Agenda ESG e os investimentos na cadeia de valor do hidrogênio verde

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Autores: Nivalde de Castro – Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL).
Luiza Masseno Leal- Pesquisadora associada do GESEL e da Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação Rede de Estudos do Setor Elétrico (ICT RESEL). Leonardo Gonçalves- Pesquisador do GESEL.

As Nações Unidas passaram a exigir explicitamente que o setor privado contribua para o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Neste sentido, desde então, os formuladores de políticas públicas, investidores institucionais e agências de rating empresarial desenvolvem esforços objetivando, de forma crescente, o aprimoramento dos relatórios sobre o desempenho corporativo ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês). Concomitantemente, formuladores de políticas buscam implementar regras mais consistentes e rígidas sobre relatórios de sustentabilidade em suas jurisdições, especialmente na Europa.

Neste contexto de aprimoramento da Agenda ESG, a descarbonização das atividades econômicas se consolida como um dos pilares do ambiente corporativo, de modo a combater as mudanças climáticas e promover o desenvolvimento sustentável. Diante disso, o hidrogênio verde (H2V) se posiciona como um vetor energético indispensável para que o setor industrial consiga cumprir as metas cada vez mais restritivas às emissões de gases de efeito estufa (GEE), principalmente nos setores de difícil eletrificação, como as indústrias de aço, de cimento e de alumínio e o transporte marítimo.

De acordo com  o estudo Building the Green Hydrogen Economypublicado pela consultoria BCG, serão necessários de US$ 6 trilhões a US$ 12 trilhões de investimentos, entre 2025 e 2050, para a construção da infraestrutura de produção, armazenamento e transporte do hidrogênio (H2), de forma a atender a demanda crescente derivada do processo de transição energética, ou seja para viabilizar a redução de emissões de GEE. Apenas entre 2025 e 2030, devem ser investidos de US$ 300 bilhões a US$ 700 bilhões. Vale ressaltar, porém, que as necessidades de capital para cada elo da cadeia de produtiva da indústria nascente do H2 variam de país para país, considerando a disponibilidade de recursos naturais, a infraestrutura local, implementação de políticas econômicas e perspectivas de demanda.

A demanda por H2 ainda é relativamente baixa (cerca de 94 milhões de toneladas em 2021) e a maior parte é produzida a partir de combustíveis fósseis (cerca de 95%). No entanto, estima-se que a demanda por H2 de baixo carbono, aqui denominado por H2V, cresça para cerca de 350 a 530 milhões de toneladas até 2050, representando aumento de 3,7 a 5,6 vezes em relação aos valores verificados em 2021. No caso do H2V, os maiores desafios se concentram na redução dos custos de produção, transporte e armazenamento, na necessidade de aumento da capacidade de geração de eletricidade renovável e pelo crescimento da demanda, com potencial de crescimento muito elevado. 

Frente a este cenário global, o Brasil posiciona-se como um mercado produtor de H2V muito promissor, tendo em vista as suas vantagens climáticas e geográficas, assim como por ser um país tropical e de dimensão continental. Observa-se que o uso final do H2V no mercado interno brasileiro possui um grande potencial nos setores de fertilizantes, químico, siderurgia, dentre outros.

Um vetor que corrobora o potencial de expansão da indústria de H2V no Brasil é a tendência mundial de implementação de mecanismos de precificação do carbono, garantindo maior competitividade internacional do Brasil a partir da exportação de bens intermediários e produtos finais com baixa pegada de carbono. Constatam-se, de forma crescente, grupos econômicos que estão estabelecendo planos e programas de descarbonização de modo a incorporar a utilização do H2V como insumo energético, de forma a se anteciparem no aproveitamento dessas oportunidades.

O elemento central da competitividade do H2V é a tendência de comportamento dos custos em US$/kg. Nesta direção, a consultoria McKinsey estima que o custo de produção do H2V no Brasil é um dos mais competitivos do mundo – cerca de 1,50 US$/kg em 2030, valor este alinhado às melhores áreas de produção dos EUA, Austrália, Espanha e Arábia Saudita, que são estimadas para aproximadamente 1,25 US$/kg em 2040. Desta forma, o desenvolvimento da cadeia de valor de H2V no Brasil poderá gerar, cerca de US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões em 2040, com a maior parte desse produção (US$ 10-12 bilhões) vinculada ao mercado interno,  em particular nos segmentos de transporte de carga por caminhões, siderurgia e outros usos energéticos industriais. Outros US$ 4-6 bilhões devem vir das exportações de derivados de H2V à Europa e aos EUA, mediante um menor custo de produção.

Destaca-se que a incorporação dos agentes privados comprometidos com a Agenda ESG de promoção da sustentabilidade ambiental e descarbonização das atividades produtivas no curto, médio e longo prazo é um elemento fundamental para concretização destes esforços, em especial da construção da infraestrutura de energia necessária para a produção, o transporte e o armazenamento de H2V.

Observa-se que os desafios tecnológicos, regulatórios e logísticos na fase de take off da indústria de H2V devem ser enfrentados através da busca ativa por soluções com projetos de PD&I, cooperação internacional, políticas públicas e parcerias entre agentes públicos e privados. No caso do Brasil, por exemplo, a infraestrutura de gasodutos, terminais portuários e refinarias são exemplos de ativos controlados por grupos econômicos estabelecidos e que podem passar por uma modernização para fazer parte da cadeia produtiva do H2V.

Ademais, os investidores podem desempenhar um papel fundamental ao incentivar as empresas a implementar suas diretrizes de ESG. Diversos fundos de investimento estão buscando reduzir a exposição aos riscos da transição climática em seu portfólio, alinhar seus investimentos com projetos sustentáveis e usufruir das oportunidades de financiamento das infraestruturas de baixo carbono. Neste sentido, o capital necessário e o apetite por investimentos de baixo carbono devem se alinhar para avançar mais rapidamente ao alcance de estratégias de descarbonização.

A título de conclusão, a agenda ESG no ambiente corporativo, em conjunto com o desenvolvimento do mercado de precificação do carbono, incentivos aos investimentos verdes e a ampliação de soluções para a utilização do H2V, confere oportunidades promissoras para as empresas sediadas no Brasil. O estabelecimento de metas de descarbonização pode se alinhar a maior vantagem competitiva e a menor dependência e risco com a volatilidade dos preços de recursos fósseis. No entanto, desafios ainda são presentes, como questões tecnológicas, econômicas e regulatórias, e devem ser alvo de esforços do marco institucional do setor energético e dos stakeholders envolvidos.

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